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Urticárias

 

Urticária é uma palavra derivada de Urtiga, que, surpreendentemente, é uma das plantas mais sagradas, divinas, de grande utilização medicinal. Plantas capazes de, praticamente, salvar o mundo. Porém, causam urticária. E este é o ponto interessante desta história. A urtiga selvagem, pura, livre, detentora dos maiores poderes curativos, causa uma certa urticária nas nossas peles esterilizadas, finas, cobertas de cremes, químicos e muito lavadinhas. A cada picada de urtiga ficam ofendidas, vermelhas, quentes. No fim de contas, lembram-se que estão vivas. Precisamos de mais picadas de urtigas. Precisamos de conhecer melhor as nossas urticárias e mergulharmos no profundo e amplo selvagem.

E qual a relação desta história com a revista Vento e Água?

Inicialmente, a revista foi denominada Feng Shui Lifestyle. Uma denominação bastante condizente com a nossa pele suave e hidratada. Protegida do sol, da chuva, da terra. Criando logo a partida no nome a barreira de proteção esterilizada para a nossa pele ocidental. Mas a vida ocorre no que é selvagem, indomável e indominável. Nas plantas como a urtiga. 

Feng Shui tornou-se dogmático, fechado, quadrado, um conjunto de regras que nos separa do selvagem e torna os ambientes controlados, luminosos, cheios de um fluxo de chi supostamente bom. Mas quando existe apenas uma polaridade, mesmo sendo a do “bom” chi, rapidamente se torna nefasta. Assim torna-se urgente a dissociação do termo feng shui, afastamo-nos do termo para sermos capazes de nos aproximar da essência. A capacidade de observação e integração com a natureza. Nunca do ponto de vista superior, mas de igual. Nunca da sua utilização em benefício próprio, mas do ponto de troca respeitosa e cerimonial com a natureza.

A esterilidade das nossas casas, não nos permite compreender o diálogo vital que precisamos ter. 

Feng Shui o conceito, termo, aproxima-se cada vez mais de uma visão eurocentrista reforçando a nossa capacidade de sermos egoístas, alheios, alienados e profundamente desligados. Esta preguiçosa (e perigosa) aproximação a uma mentalidade colonialista é na realidade uma real ofensa àquilo que entendemos como a sua essência. Não procurando mudar o termo, nem altera o seu significado para as pessoas que tão bons trabalhos fazem, sentimos que o abandono do termo como matriz regedora da revista seria a opção eticamente correcta.

Com Feng Shui cai também a palavra lifestyle, em tradução directa estilo de vida. Impõe uma visão do certo e do errado, definindo que o que vai contra algo pré-estabelecido é errado. Vendendo uma imagem irreal e fabricada do que é uma vida. Perpetuando dogmas de Feng Shui como um estilo de vida que é hermeticamente dissociador e desastroso. Uma ditadura que começa na forma de vivenciarmos os nossos espaços muitas vezes sem compreender a terra onde pisamos.

Ao compreender que a Terra, planeta, não foi feita para nós, mas nós para o planeta, mudamos o nosso lugar na cadeia. A nossa compreensão sobre o movimento das casas, lugares, sítios, seres vivos e não vivos, muda. Tornamo-nos iguais e perdemos a segurança da altivez de sermos especiais. Somos apenas seres integrantes num ritmo muito maior, fazemos parte de algo que não está acima de nós, mas sim, à nossa volta e do qual não somos capazes de nos separar. 

Queremos ser picados por urtigas!

Por Maria Trincão Maia