artigo de sofia batalha
Ecologia & Entrelaçamento
Rede de Co-Criação
4 MIN DE LEITURA | Revista 38
Nos últimos anos o termo Co-Criação foi exilado e mutilado pela cada vez mais literal e superficial indústria do “bem-estar” e “espiritualidade” moderna, um negócio de milhões que promete métodos infalíveis para alcançar o sucesso rapidamente, numa concepção de pseudo-realidade e ilusões de triunfos exclusivamente humanos.
É um movimento que nos isola numa ideação de um mundo antropocêntrico, separando-nos por crenças de excepcionalismo ou meritocracia, onde passamos a perceber a rede viva da Co-Criação como algo reduzido ao sucesso urbano, ao alimento do ego, do estar “alinhado” ou em “abundância”. Confundimos Co-Criação como algo de pensamento mágico que nos serve unidirecionalmente e sem darmos nada em troca, e ao qual podemos extrair, conquistar e controlar os resultados dos nossos desejos, objectivos e expectativas, por mais imaturos ou irresponsáveis que sejam.
Apesar desta superficialidade perversa com que a indústria do “bem-estar” da modernidade enxovalhou e asfixiou este conceito, ele nunca deixou de estar vivo e de ser ecologicamente real, por mais vazio que hoje em dia aparente ser.
Acontece que a Co-Criação não é uma invenção moderna sobre “como conseguir o que queremos” com frases positivas ou “métodos comprovados”, mas uma realidade biológica e imanente sobre ecologia e relação profunda, sobre criação de nicho e habitat, tão antiga como a própria vida.
Antes da Co-Criação ter sido sequestrada e exilada numa paisagem abstracta, vazia e exclusivamente antropocêntrica, falava de relação profunda, multidimensional, responsável e recíproca. Falava de corpo poroso e relação de parentesco profunda com o mais que humano. O paradoxo é que a Co-Criação sempre foi animista e biologicamente real a todo o momento em termos eco-sistémicos.
Respiremos. Todo o ar que inspiramos é recriado dentro do nosso corpo e contribuímos a cada momento, para este constante fluxo vivo, com cada expiração. Co-criamos, em conjunto com as árvores, animais, nuvens e ventos o ar da Terra. Respiramos e a cada inspiração contribuímos biologicamente para a co-criação dinâmica da teia da vida.
Fazemos intrinsecamente parte, co-criando o sistema vivo a que pertencemos, e nem precisamos de frases positivas ou métodos infalíveis… simplesmente acontece. A Co-Criação é uma realidade biológica, num mundo vivo e complexo onde a agência e consciência não pertence unicamente aos humanos, mas a todos os seres, das pedras às árvores e animais, que se entrelaçam ritmicamente.
Não é Sobre Nós, mas sobre a Ecologia
Andamos tão distraídos, perdidos e confinados nas nossas mentes que, além de acharmos que a natureza está lá longe, achamos que Ecologia é algo que alguém, um especialista com certeza, faz ou entende. De tão enrodilhados que estamos no nosso mundo linear e tecnológico que deixámos de ter as chaves orgânicas para decifrar algo que somos intrinsecamente.
Ora Ecologia tem tanto de biologia básica, como de corpo em relação visceral e sensorial, ou mesmo de mitologia e ciência. É a rede de Vida que nos percorre e atravessa a cada momento, apenas por respirarmos. Não é lá longe num sítio remoto ou selvagem, mas aqui e agora.
Porque a mente moderna está refém tanto das abstrações da transcendência como dos objetivos e factos, recria constantemente um dos mitos mais perversos da modernidade que constantemente nos desvincula, ilusoriamente, da Ecologia, criando narrativas de isolamento, separação, e dor. A mente precisa de carinho para relembrar, para voltar a sentir embalo ecosistémico do qual sempre fizemos parte. É muito simples, natural, imanente e visceral. Contudo, esquecemos que não é sobre nós, mas sobre a Vida. Não somos, nem nunca fomos o centro desta vasta rede de parentesco, mas sempre dela fizemos parte.
A Rede de Indra como imagem da Ecologia
A Rede de Indra, ou a Rede de Jóias de Indra, é uma metáfora sobre o entrelaçamento, a intercausalidade, e o inter-ser de todas as coisas, em vasta co-criação. Esta metáfora fala de como tudo está ligado e de como nada existe em isolamento, assim de como sempre fizemos parte desta teia viva que nos abraça.
A Rede de Indra é uma vasta rede que se estende infinitamente em todas as direcções. Em cada intersecção dos vários fios da rede, em cada nó ou “olho”, está uma única jóia brilhante. Cada jóia reflecte outra jóia, em número infinito, e cada uma das imagens reflectidas traz a imagem de todas as outras jóias. O que quer que afecte uma jóia afecta-as a todas.
Esta é uma antiga e poderosa metáfora fractal que ilustra a interpenetração multidimensional de todos os fenómenos, tanto os visíveis como os invisíveis. Tudo contém tudo o resto, pois a realidade é organicamente interdependente. Cada fenómeno singular não só reflecte todos os outros fenómenos, mas também a natureza última da existência.
A Rede da Indra está também relacionada com o conceito de inter-ser, cunhado por Thich Nhat Hanh. O inter-ser refere-se a que toda a existência é um complexo nexo de causas e efeitos, em constante mudança, em que tudo está interligado a tudo o resto, sendo co-criado em conjunto.
Co-Criação
Salvando o valioso conceito de Co-Criação da modernidade, resgatamos o seu poder vivo e falamos então de simbiose, relação e vinculo. Relembramos de como nunca somos separados do nosso contexto topográfico, geográfico, meteorológico, eco-sistémico, histórico ou biológico. Recordamos que somos inteiramente porosos a todas estas forças “banais” que nos sustentam a vida a todo o momento e que em conjunto com elas o nosso sábio corpo conspira Vida em todas as suas fases, texturas, tons, melodias e ritmos diferentes. Nunca co-criamos sozinhos.
Respiremos.
Referências
O’Brien, Barbara. “Indra’s Jewel Net.” Learn Religions, Aug. 26, 2020, learnreligions.com/indras-jewel-net-449827.
Para citar este artigo:
BATALHA, Sofia. Ecologia & Entrelaçamento – Rede de Co-Criação. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-38/ecologia-entrelacamento-rede-de-co-criacao/, número 38, 2022
Antes da Co-Criação ter sido sequestrada e exilada numa paisagem abstracta, vazia e exclusivamente antropocêntrica, falava de relação profunda, multidimensional, responsável e recíproca. Falava de corpo poroso e relação de parentesco profunda com o mais que humano.
O paradoxo é que a Co-Criação sempre foi animista e biologicamente real a todo o momento em termos eco-sistémicos.
Sofia Batalha
Fundadora e Editora da Revista
Mamífera, autora, mulher-mãe, tecelã de perguntas e desmanteladora o capitalismo-global-colonial-tecnológico um dia de cada vez. Desajeitada poetiza de prosas, sem conhecimentos gramaticais. Peregrina pelas paisagens interiores e exteriores, recordando práticas antigas terrestres, em presença radical, escuta activa, ecopsicologia, arte, êxtase, e escrita.
Honor hystera. Re-member. Response-ability. (un)Learn together.
Autora de nove livros e editora da revista online Vento e Água, Comadre conversadeira no podcast Re-membrar os Ossos e em Conversas D'Além Mar. Instagram, Serpentedalua.com, Sofiabatalha.com
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