artigo de íris garcia

Tempo, Sagrado e Saudade

2 MIN DE LEITURA | Revista 33

Que tempo é este que celebramos e porque o fazemos? Se há fome na Alma onde lhe encontramos sentido? Uma conversa sobre como a relação com o tempo simbólico traduz pertença ao tempo de vida e ao propósito de quem nos estamos continuamente tornando.

Às vezes sabemos onde é que os outros estão mesmo que eles não nos digam.  Simplesmente acontece, quando nos abrimos: ao mistério, ao milagre, à vida.

Tantas vezes o nosso saber é empírico, não académico. Tem a função da urtiga que com o seu espinho abre caminhos onde não existem para fertilizar aquilo que está estéril e renovar a forma como nos vemos, como vemos a nossa cultura, as nossas vidas e através das nossas questões muito mais do que das nossas certezas co-criar regeneração sistémica. 

O que é que está a acontecer? 

Que mistério é este? Onde nos habitamos? 

O que em nós ressoa? O que germina nos nossos lugares invisíveis e porém tão vivos?

Quem somos? 

A que lugares pertencemos quando permitimos que o próprio mistério aconteça? 

Deixemo-nos acompanhar este todo, ainda que a resposta não seja clara, racional ou por palavra. Que as sintamos em fé, de pé, erguidas na sustentação das nossas raízes.

O que é que representa para nós a terra? A Terra que sustenta as raízes que nos suportam, nutrem, sustêm. Quais são as primeiras palavras que nos chegam? Essas primeiras palavras são as mais importantes. 

Não voamos e portanto nós estamos sempre tocando a terra desde o momento em que nascemos. Tocámos a terra indiretamente no ventre das nossas mães a partir do seu corpo, que sem terra não se poderia suster.

O nosso próprio corpo é uma extensão da temporária da Terra: terá mais longevidade do que a abelha,  menos do que o cedro,  muitíssimo menos do que a pedra e a montanha.

No abraço do tempo está pautada a primeira relação que temos com a força da vida: o nosso tempo de vida é uma das relações mais contundentes e contínuas que vivemos. 

Cada um de nós tem o seu ritmo íntimo e único, tem o seu ritmo emocional, tem o seu ritmo fisiológico, tem o seu ritmo mental, tem o seu ritmo energético.

Temos diferentes ritmos em várias fases da vida. 

Uma das questões mais fundamentais da nossa experiência humana e da forma como a nossa cultura se desestruturou é que o nosso tempo íntimo, único e individual deixou de ser comunicado ao coletivo e passou a ter que ser igualado por métricas objectivas, alheias ao que é orgânico à nossa natureza animal. 

Estas métricas maquinais foram sendo cada vez mais elaboradas, retirando-nos o direito de aceder ao ritmo interno que conversa com o ritmo da natureza, dos dias, das relações com quem e com o que nos rodeia. Desde o tempo de aprendizagem da criança, ao tempo da integração da experiência emocional e do labor do adulto. 

Demoramos a desenvolver um vínculo, a estruturar um pensamento, a elaborar uma ideia mais complexa, a sermos capazes de processar um conjunto de emoções de uma vivência desafiante.

Todos estes tempos são extremamente variáveis e entram naquilo que é o tempo sentido e sensorial que nem sempre ou quase nunca se coaduna com o tempo cronológico.

O tempo cronológico é um tempo que nos iguala e que é muito válido porque nos permite comunicar e ter acordos acerca de quando é que estabelecemos os nossos pontos de encontro, mas muitas vezes não honra o nosso tempo sensorial.

O tempo orgânico da natureza viva e da natureza psico-emocional, que estão intrinsecamente conectadas, não tem cronologia precisa, antes, acontece na continuidade de uma série de fenómenos que estão em interconexão e a intercomunicação constante. 

Gostaria com este breve texto de nos convidar a retomar o tempo como um elemento fundamental à nossa saúde física, emocional, relacional e por isso comunitária. Assim, logo orgânica e planetária. Um tempo articulado no fluxo das forças deste planeta vivo e consciente da qual nós somos uma parte muitíssimo temporal muitíssimo efêmera porém constante e inseparável.

Creio que para as nossas ancestrais esta efemeridade da realidade provavelmente não era um problema precisamente porque o tempo é pautado pela luz do sol, duração da noite, o que nasce e se finda na vegetação, os ciclos de cio e parto dos animais, o som ou silêncio dos pássaros, os níveis de calor, humidade, frio. Sem relógio ou calendário mais precisos do que o precioso testemunhar activo, envolvido, na paisagem que se revela e nos toca enquanto a vivemos e nos transforma.

Não voamos e portanto nós estamos sempre tocando a terra desde o momento em que nascemos. Tocámos a terra indiretamente no ventre das nossas mães a partir do seu corpo, que sem terra não se poderia suster.

Íris Garcia

Íris Garcia

Colunista e Autora regular da Revista

Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única,  em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.

www.earthbodymedicine.com

https://www.instagram.com/irislicangarcia/

https://t.me/coracaodeurtiga - Coração de Urtiga 🌿
Reflexões vivas sobre Terra Corpo como Medicina: eco-filosofia, eco-mitologia, espiritualidade da Terra, herbalismo, movimento, arte e terapia eco-somáticos.