artigo de Sofia Batalha

A Revista

2 MIN DE LEITURA | Revista 56

Esta é uma simples e resumida reflexão dos quase 8 anos de intenção e co-criação da Revista.

O corpo de letras da Revista começou a tomar forma em Outubro de 2017. Ao fechar o sétimo ciclo celebramos 56 números, sempre em transformação. Começámos por assumir um lugar de pensar sobre a habitação e hoje em dia seguimos as linhas do habitat, tanto ecológico como mítico. Acolhemos o amor, o luto e a raiva de um mundo à beira de muitos colapsos. Abordamos os paradoxos e perversões da modernidade e das suas limitações cognitivas. Pelo meio enamoramo-nos do mistério, uma e outra vez.

Nas suas metamorfoses, a Revista vai continuando languidamente pelas margens, pela voz dos seus colunistas e pela mão das duas editoras. Como editoras somos demasiadas vezes confrontadas pelo tempo escasso e as múltiplas responsabilidades do dia-a-dia que nos desfocam da dedicação à Revista — e muitas vezes falta de motivação também, pois tem sido um projecto quieto. “São apenas 8 números a cada ano”, dizemos para nós mesmas. Temos ideias e queremos manter-nos aqui, mas esbarramos constantemente com a falta de tempo e recursos.

Continuamos porque o projeto é ainda válido, por ser uma âncora e arquivo de ideias limítrofes.

Por, talvez, ser ‘habitat’ vivo de narrativas alternativas que nos enriquecem colectivamente.

Por ser desejar-se ser um lugar de transgressão e dissidência onde experiências e conceitos podem co-existir na micro-política do luto e do encantamento. 

Esbarramos também com a natureza virtual do próprio projecto: uma revista ‘online’ que usa as tecnologias da modernidade. Se a ‘internet’ abriu as portas à partilha de tudo e de todos, também nos escravizou com o infinito na mão e a adição à contagem de likes — interações possivelmente vazias e que se dissipam no meio de tanta competição pela nossa frágil e esgaçada atenção. A Revista assenta numa plataforma que, pela sua natureza, escraviza e aniquila também ecossistemas inteiros, as suas populações humanas e não-humanas na constante, massiva e violenta, extração de metais para baterias e tecnologia. Temos o enorme consumo energético de cada byte armazenado algures, nunca numa ilusória nuvem, mas em data-centers físicos, com pegada ecológica devastadora.

Apesar das contra-narrativas hegemónicas que acolhe, a Revista só pode ser lida nestes suportes que assentam e perpetuam sistemas de opressão e violência. 

Por outro lado, há, em cada um de nós, um constante e difuso ruído de fundo, de múltiplos interesses, que nos impede de mergulhar na leitura de algo online, aparentemente teórico ou estático. Esse algo que precisa de tempo, de paciência e digestão lenta, de foco e fascínio. Sabemos que não trazemos temas ou escritas “fáceis,” lineares ou em listas de métodos infalíveis. Trazemos desafios, perguntas e sentires, que se abrem ao paradoxo e complexidade. Cometemos a loucura de ter frases com mais de duas linhas, vírgulas e até palavras difíceis. Não trazemos artigos só e apenas de inspiração passiva, mas para pensar e sentir com, desafiar e imaginar! A pressa a que nos acostumamos, muitas vezes fragmenta-nos e evita que nos dediquemos a acompanhar, lendo, este ou aquele autor, ou seguir determinado tema. Como editoras lutamos por nos manter aqui, apesar da escassez de comentários, interações e partilhas, ou de ecos e reverberações aos vários conteúdos e artigos. Honestamente não sabemos, não temos como saber, como vos impacta como leitores, como vos nutre ou incita. Não quero com isto iludir-nos que a contagem de likes equivale à leitura ou impacto real, pois a actual tirania do número de likes mantém a fasquia deturpada e a expectativa colectiva distorcida  — quem não tem mais de 20 likes é aparentemente irrelevante na paisagem virtual. Um grande bem-haja a quem nos acompanha, lê e mergulha nas propostas de inquérito da revista, mesmo com toda a vida a acontecer e a exigir atenção!

Como projecto colectivo nunca poderia existir sem a dedicação de quem para ele escreve, sem o carinho e entrega de cada colunista. Múltiplas vozes entrelaçam-se nesta tapeçaria, que se quer diversa e mesmo paradoxal, não fechada a dogmas. Diferentes tons e texturas de escrita, que ecoam o contexto de cada autor, a sua história e interesses. Este é um ecossistema ancorado pelos corações palpitantes de: Ana Alpande, Ana Sevinate, Élia Gonçalves, Íris Garcia, Jorge Moreira, Maristela Barenco, Patrícia Rosa-Mendes, Inês Peceguina, Amala Oliveira, Telma G. Laurentino e Fátima Marques.

Respiramos fundo e continuamos, aqui mesmo, à escuta das histórias, mitos, orações e gritos que nos nutrem e onde nos podemos aninhar e reconfigurar.

Para citar este artigo:

BATALHA, Sofia. A Revista. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-56/a-revista/, número 56, 2024;

Continuamos porque o projeto é ainda válido, por ser uma âncora e arquivo de ideias limítrofes.

Por, talvez, ser ‘habitat’ vivo de narrativas alternativas que nos enriquecem colectivamente.

Por ser desejar-se ser um lugar de transgressão e dissidência onde experiências e conceitos podem co-existir na micro-política do luto e do encantamento. 

Sofia Batalha

Sofia Batalha

Eco-Mitologia e Ecopsicologia; Fundadora e Editora da Revista

Mamífera, autora, mulher-mãe, tecelã de perguntas e desmanteladora o capitalismo-global-colonial-tecnológico um dia de cada vez. Desajeitada poetiza de prosas, sem conhecimentos gramaticais.

Peregrina pelas paisagens interiores e exteriores, recordando práticas antigas terrestres, em presença radical, escuta activa, ecopsicologia, arte, êxtase, e escrita.

Certificada em Ecopsicologia e Mitologia Aplicada pela Pacifica University, nos EUA. Saber mais sobre mim aqui.

*Homenagear hystera. Recordar a capacidade de resposta. (des)aprender em conjunto.

Podcast Eco-Mitologia
Autora de 11 livros & 2 (Des)Formações
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🌳 Vários livros de diversos territórios, lugares de resgate da polimorfa Imanência. 

Peregrinações caleidoscópicas em profundidade, às raízes da identidade moderna, em todos os seus preconceitos, intrínseca violência e absurdas limitações. Diferentes jornadas de amor pela poesia da complexidade, da diversidade e da metamorfose. Tecelagens de histórias vivas que nos recordam do que esquecemos, da sacralidade do chão e da Vida. Complementos ao vício da transcendência, em rigor e responsabilidade. Ver próximos eventos aqui.