Ecoespiritualidade

Coluna de Jorge Moreira

3 MIN DE LEITURA | Revista 52

O (Re)Nascer da Terra

Parte I

“Passamos todo o tempo na Terra em formação sobre como estudar a Lua, como ir até a Lua; era tudo muito orientado para a Lua. E ainda assim, quando olhei para cima e vi a Terra a surgir neste horizonte lunar muito austero e desgastado, uma Terra que era a única cor que podíamos ver, uma Terra de aparência muito frágil, uma Terra que parecia muito delicada, fui imediatamente quase dominado pelo pensamento de que viemos aqui até a Lua, e ainda assim, a coisa mais significativa que estamos a ver é o nosso próprio planeta natal, a Terra”.

Bill Anders (apud Poole, 2008)

Desde tenra idade que as estrelas do firmamento têm um brilho especial em mim. Nas noites mais escuras ficava horas deitado no chão maravilhado com as luzes que irradiavam no céu. A procura por significado levou-me a mergulhar na Astronomia e não fiquei menos deslumbrado com as histórias antigas de deuses e deusas desenhadas nos céus e as explicações dos astrofísicos. A rainha da noite também tinha o seu encanto e com apenas dois anos de idade, lembro-me de algumas imagens que passaram na televisão, em que se vi Neil Armstrong a pisar a Lua. O fascínio pelos astros levou-me a sonhar, ora como astronauta, que percorreria novos mundos, ora como um astrónomo, que descobriria as respostas dos maiores mistérios da Humanidade. Uma década depois assistia religiosamente à série Cosmos, apresentada por Carl Sagan. Hoje o fascínio pelo Espaço mantém-se, mas a paixão centra-se, agora, no nosso maravilhoso planeta Terra. Refletindo na curiosa sincronicidade entre esta história pessoal e a da conquista do Espaço.

Em 1968, a Apollo 8 da NASA foi a primeira missão a deixar a órbita terrestre em direção à Lua e a primeira a ver a Terra inteira a partir do Espaço. A bordo estavam três astronautas, Frank Borman, James Lovell e Bill Anders. Quando a sonda se encontrava na sua quarta órbita lunar, Frank Borman, decidiu girar a sonda para corrigir a navegação, apontando uma das janelas na direção do horizonte lunar. Poucos minutos depois, ele começa a vislumbrar uma mancha difusa azul e branca a surgir para lá da superfície da Lua e efusivamente diz: “Oh meu Deus! Olha ali para a imagem. A Terra está a aparecer”. Bill Anders consegue encontrar rapidamente uma máquina fotográfica e regista o momento. A primeira foto é a preto e branco e mostra a Terra apenas a surgir no horizonte. Pouco depois, James Lovell chega-lhe um rolo a cores e Anders tira a fotografia “Earthrise”, que veio a ter um impacto profundo tanto nos astronautas presentes, como na Humanidade. A fotografia “Nascer da Terra” tornou-se um dos promotores da perceção da crise ecológica e do surgimento do movimento ambientalista mundial.

Esta imagem destaca a beleza da Terra, uma luz azulácea, que contrasta com a escuridão do Espaço, potenciando sentimentos de admiração e grandeza da Terra e oferecendo perspetivas holísticas que transcendem as fronteiras nacionais, políticas, religiosas, étnicas e até de espécie. Muitos vão mais longe ao ver a Terra como o corpo de Gaia, que segundo James Lovelock é uma entidade que se comporta como um ser vivo. Outros emergem para a dimensão espiritual que esta imagem abarca, reconectando-se com Pachamama (Deusa Mãe Terra) e a teia da vida a Ela associada, onde terrestres humanos, não-humanos e mais-que-humanos, são nós conectados por laços nessa imensa rede viva. Seja qual for o sentir de cada um, muitos astronautas e cosmonautas, quando vivenciam a visão geral do nosso planeta visto do Espaço, relatam uma profunda experiência espiritual com a Terra. O filósofo Frank White cunhou este fenómeno, como “The Overview Effect” (Efeito de Visão Geral). Diz ele a propósito:

“(…) o Efeito de Visão Geral ocorre normalmente na órbita da Terra. É uma perceção da unidade e da interdependência de toda a vida na Terra, um entendimento de que, visto do Espaço, não há limites no planeta, exceto aqueles que criamos nas nossas mentes ou por meio das nossas ações” (White, 2014, p. 96).

O resultado destas experiências no indivíduo é, por um lado, uma mudança de paradigma sobre mundo, tonando-o mais holístico; por outro, uma amplificação da identidade pessoal, que passa a abarcar a Terra (White, 2014, 2016). O astronauta Edgar Mitchell, a sexta pessoa a pisar a Lua, retrata a sua experiência da seguinte forma:

Houve um reconhecimento surpreendente de que a natureza do Universo não era como me tinham ensinado… Eu não só vi a conexão, eu senti-a… Eu fiquei esmagado pela sensação física e mental de me estender ao cosmos. Percebi que essa era uma resposta biológica do meu cérebro a tentar reorganizar e dar significado às informações sobre os processos maravilhosos e impressionantes que tive o privilégio de ver” (apud Worldview Institute, 2022).

Surpreendidos com a experiência de ver a Terra do Espaço e conscientes da fragilidade da vida na Terra, sustentada por uma fina camada de atmosfera, muitos astronautas voltaram à Terra transformados. Muitos têm discursos em defesa da paz entre Humanos, outros promovem ações sociais e ambientais.

continua…

Recomenda-se:

 

Referências

  • Poole, R. (2008). Earthrise: How Man First Saw the Earth. Yale University Press.
  • Sagan, C. (1995). O Ponto Azul-Claro: Uma Visão do Futuro do Homem no Espaço (1st ed.). Gradiva.
  • White, F. (2014). The Overview Effect: Space Exploration and Human Evolution (Third). American Institute of Aeronautics and Astronautics. https://doi.org/10.1016/s1364-6826(99)00114-5
  • White, F. (2016). Opening Remarks at Launch of Academy in Space Initiative. https://frankwhiteauthor.com/article/2016/04/opening-remarks-at-launch-of-aisi
  • Worldview Institute. (2022). Astronaut Quotes. https://overviewinstitute.org/astronaut-quotes/

Para citar este artigo:

MOREIRA, Jorge. O (Re)Nascer da Terra. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-52/o-renascer-da-terra/, número 52, 2024

A rainha da noite também tinha o seu encanto e com apenas dois anos de idade, lembro-me de algumas imagens que passaram na televisão, em que se vi Neil Armstrong a pisar a Lua. O fascínio pelos astros levou-me a sonhar, ora como astronauta, que percorreria novos mundos, ora como um astrónomo, que descobriria as respostas dos maiores mistérios da Humanidade. Uma década depois assistia religiosamente à série Cosmos, apresentada por Carl Sagan. Hoje o fascínio pelo Espaço mantém-se, mas a paixão centra-se, agora, no nosso maravilhoso planeta Terra. Refletindo na curiosa sincronicidade entre esta história pessoal e a da conquista do Espaço.

Jorge Moreira

Jorge Moreira

Ambientalista e Investigador

Licenciado em Ciências do Ambiente, Minor em Conservação do Património Natural, mestre em Cidadania Ambiental e Participação, pela Universidade Aberta, e Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra. É bolseiro FCT e investigador do Centre for Functional Ecology, Science for People & the Planet da Universidade de Coimbra.
É vice-presidente da FAPAS - Associação Ambientalista para a Conservação da Biodiversidade; dirigente da Sociedade de Ética Ambiental, dos movimentos cívicos Alvorecer Florestal e Aliança pela Floresta Autóctone.
É autor de vários artigos dedicados ao ambiente e voluntário em inúmeras ações de defesa, conservação, promoção e recuperação do património natural.
Tem desenvolvido investigação nas áreas da Ética Ambiental, Educação Ambiental, Sustentabilidade, Alterações Climáticas, Ecologia Profunda e Ecologia Espiritual, onde tem realizado conferências e promovido os temas.

shakti@sapo.pt