artigo de Antonella Vignati

História da Medicina

3 MIN DE LEITURA | Revista 49

A História que estudamos na escola e nas Universidades é contada sempre a partir de um ponto de vista único: o ponto de vista masculino (e das etnias e classes dominantes).
Acabamos por aceitar inconscientemente a ideia de que a metade da humanidade seja um elemento marginal e irrelevante na sequência de grandes feitos, guerras e conquistas que constitui a verdadeira História Universal.
O mesmo não podia deixar de acontecer na História da Medicina. Salvo raras exceções, é-nos apresentado um elenco de investigadores de sexo masculino que conseguiram vencer as trevas da ignorância e trazer à superfície as Verdades Científicas sobre as quais se funda a Medicina.

Neste campo observamos, portanto, um duplo viés: a visão da medicina como sendo fruto da razão, que só a partir do século XX conseguiu ultrapassar superstições e crenças irracionais antigas; e como sendo também uma conquista feita por homens, já que a racionalidade é considerada uma característica masculina.
Quando nos focamos na história da medicina ocidental antiga, encontramos o sistema de pensamento da Medicina Tradicional Mediterrânea, amplamente polinizado por sistemas médicos orientais como a medicina chinesa, o Ayurveda ou a medicina persa.

A Medicina Tradicional Mediterrânea é um conjunto de práticas e conhecimentos médicos que acompanhou o desenvolvimento de grandes culturas da bacia do Mediterrâneo de Oriente Próximo a partir do século VII a. C. aproximadamente.

Criado no curso de milénios a partir da área mesopotâmica, do antigo Egipto e da nação Etrusca, o sistema médico Mediterrâneo é depois incorporado pelas culturas grega e romana, que são as que mais informação nos entregaram sobre ele. É o sistema tornado famoso pela sistematização feita por Hipócrates e pela escola de Kos no século VII a.C, baseado obviamente nas plantas medicinais e na teoria dos humores e dos elementos da Natureza. Ou seja, é um sistema que ainda reconhece a analogia e a pertença da Humanidade a um sistema maior, ao cosmos, às leis da Natureza.

No entanto, quando olhamos este sistema mais de perto, descobrimos que mais uma vez, esta noção de Humanidade só se declina no masculino. A Mulher enquanto objeto da medicina é uma criatura defeituosa devido ao útero ambulante que gera todas as suas maleitas. A palavra histeria vem do grego hystera, útero; sairá dos manuais de psiquiatria apenas em 1980, e nos acompanha ainda hoje como explicação implícita de muitas condições psico-físicas femininas no imaginário popular. A visão da mulher como criatura inferior e posteriormente, com o advento dos monoteísmos, intrinsecamente má, acompanha todo o desenvolvimento da história da ciência da medicina, da teologia e de outras disciplinas.

Por outro lado, o papel das mulheres enquanto principais praticantes e curandeiras não é mencionado. Durante séculos, as mulheres fizeram abortos, foram parteiras, enfermeiras e conselheiras. Eram farmacêuticas e herbalistas, cultivavam e sabiam colher plantas medicinais e trocavam segredos sobre a sua utilização. Durante séculos, as mulheres foram médicas sem diplomas, nunca mencionadas nas bibliografias, aprendendo umas com as outras e transmitindo a sua experiência de vizinha para vizinha e de mãe para filha. A caça às bruxas, que a cultura popular atribui erradamente às “trevas da Idade Média” é, na verdade, um fenómeno da história moderna, não medieval. A caça às bruxas é contemporânea do Renascimento, da tão celebrada idade de ouro da arte e da cultura ocidental. É um momento histórico no qual a Natureza desaparece das pinturas, ou é relegada ao cenário de feitos humanos. (Quadros famosos como O casamento da Virgem, ou a Cidade Ideal nos mostram cidades onde apenas existe o elemento humano, de uma maneira incrivelmente profética). A caça às bruxas é a consequência da intenção de afastar as mulheres da medicina, tirando-lhes credibilidade em favor da “ciência”, ou seja, naquele momento a Alquimia, mais tarde será a ciência moderna tal como a concebemos hoje.
Hoje ainda há ecos em todo lado, incluindo na medicina, da auto-celebração na subjugação e no domínio do Homem e da sua Ciência sobre a Natureza. E há uma extraordinária semelhança entre a subjugação da Natureza e a subjugação do corpo da Mulher.
Talvez seja por isso que ainda hoje temos na medicina, muitos fragmentos e ecos desta história que precisam ser vistos e nomeados para podermos virar de página.

Reconciliar as origens da medicina ocidental nas formas de pensamento que agora são relegadas a superstições.
Reconhecer o valor do herbalismo como mãe da farmacologia moderna e como medicina válida per se, independentemente do paternalístico reconhecimento de validade pelo prisma científico moderno.
Reconhecer o papel das mulheres na história da medicina (e já agora na História em geral).
Reconhecer o corpo feminino como merecedor de respeito da fisiologia sem intervencionismos desnecessários.
Reconhecer a pertença da humanidade à teia da vida.
Reconhecer os limites do paradigma científico perante o mistério da vida.
Reconhecer o corpo feminino como espelho e símbolo da teia e do mistério da vida.

Para citar este artigo:

VIGNATI, Antonella. História da Medicina. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-49/historia-da-medicina/, número 49, 2024

Hoje ainda há ecos em todo lado, incluindo na medicina, da auto-celebração na subjugação e no domínio do Homem e da sua Ciência sobre a Natureza. E há uma extraordinária semelhança entre a subjugação da Natureza e a subjugação do corpo da Mulher.
Talvez seja por isso que ainda hoje temos na medicina, muitos fragmentos e ecos desta história que precisam ser vistos e nomeados para podermos virar de página.

Antonella Vignati

Antonella Vignati

Fundadora da Escola de Saúde Integral da Mulher

Sou Nutricionista, com cédula da Ordem dos Nutricionistas (4300N).
Tenho formação adicional específica em Nutrição Vegetariana e Vegana na gravidez, amamentação e primeira Infância pela Sociedade Científica de Nutrição Vegetariana (Itália).
Além disso, sou Naturopata e Fitoterapeuta, formada em 2010 pela EAN (Estudos Avançados de Naturologia) após 4 anos de estudos full-time e com várias formações sucessivas em Itália, na Escola do Giardino di Pimpinella (Itália).