Ecoespiritualidade

Coluna de Jorge Moreira

4 MIN DE LEITURA | Revista 48

Luz Renascente

Reflexões sobre o Solstício de Inverno e do Natal Cristão

 

A Luz é poesia alquímica. A sua natureza última escapa à visão cartesiana – ora se comporta como uma partícula, ora se configura como uma onda que se propaga sem um suporte material. A luz pode surgir do fogo, mas é no movimento dos eletrões entre um estado de energia superior para um inferior, que os átomos emitem radiação, que denominamos luz.

Esta excitação dos eletrões, provocada pela variação da temperatura ou por correntes elétricas que atravessam certas substâncias, torna o nosso mundo tão mágico. Captar a luz refletida ou refratária nas diversas superfícies, é uma das formas utilizadas pelos organismos para percecionarem o mundo. As cores apreendidas pelo aparelho visão/cérebro são a perceção dos diferentes cumprimentos de onda, que um espectro como a luz do Sol tem.

A luz tem um papel central na vida. Radiação eletromagnética, energia que certos organismos, como plantas, algas e algumas bactérias, usam para produzir alimento e que serve de base a toda a cadeia trófica. No meio das reações químicas nutridas pela luz, os produtores ainda libertam oxigénio, elemento essencial para os organismos aeróbicos, como os nossos, extraírem a energia química acumulada em algumas moléculas orgânicas, entretanto transformadas e provindas do alimento ingerido.

A luz primária é fruto da energia libertada pelo Athanor Alquímico das estrelas, que transformam a matéria primordial do Universo, o hidrogénio, no hélio, e conforme a idade destes corpos celestes, noutros elementos mais pesados, que são como tijolos que edificam o universo material, onde a vida se manifesta.

Para além destes aspetos mais científicos, que também nos deixam maravilhados, a Luz é símbolo da vida, do discernimento, da sabedoria e do espírito. Prometeu roubou o Fogo do Olímpio para iluminar o raciocínio humano. Sob um outro raio, a Luz divina é o elemento que ilumina o caminho espiritual. Este é o sentido que subjaz a muitas das cerimónias religiosas que envolvem a luz, especialmente o uso de velas de cera ou lamparinas de óleos, como o azeite.

Desde tempos imemoriais, no momento natural mais sombrio do ano no Hemisfério Norte, celebra-se, paradoxalmente, a festa mística da luz. Estamos perante a ocasião em que a vida natural se recolhe, resguardando-se da severidade dos elementos, espicaçados pela diminuição progressiva da luz do Astro-Rei. Neste contexto severo, agravado pela falta de mantimentos, os povos primevos ficaram assustados pelo abandono progressivo do Sol, a Deidade donde emana toda a energia que sustenta a vida na Terra. Para se aquecerem e iluminarem os locais onde se encontravam, acendiam fogueiras, alimentadas com ramos de árvores. Depressa fizeram a conexão entre o Sol, o fogo e a luz. Na esperança de poderem ver os dias retomarem novamente, os povos imaginaram inumeráveis oferendas cerimoniais de luz ao Logos Solar. Um desses rituais envolvia a coroação de jovens donzelas com abetos a arder, quais Santa Luzia, como símbolo do renascimento e da esperança. Abetos, pinheiros ou azevinhos são plantas que permanecem verdes, mesmo perante as intempéries invernais, simbolizando a perseverança nas adversidades e a esperança de um renascimento. Coníferas com velas ou mais recentemente com luzes cintilantes de leds, são resquícios de cultos pagãos referentes ao Solstício de Inverno, que se juntam ao Natal cristão.

Em Belém nasceu Jesus, que se viria a tornar o Cristo, um Mestre, cuja luz do amor ainda irradia sobre a Humanidade. Mas foi a Estrela de Belém, uma luz sobre o firmamento, que representa a Luz Espiritual, que indicou o caminho aos Reis Magos. O simbolismo é rico. Uma das interpretações pode sugerir o caminho para a Mestria espiritual, que é equivalente ao renascimento/regeneração humana, na imagem do menino Jesus. Ou seja, quando as dimensões humanas, física, emocional e mental, que são os Reis Magos, estão alinhadas e sob a direção da Luz Espiritual.

O Natal é a celebração da Vida. Todos os dias o Sol nasce com toda a sua Força vital, que alimenta todos os sistemas naturais. Igualmente, as águas cristalinas, que brotam incessantemente das fontes mais puras e frescas, restabelecem os corpos vivos e a terra suporta alimento e caminho.

A toda a hora surgem novas vidas e não há maior festa que a celebração da Vida. Mas, o Natal encerra uma leitura mais profunda. A vida que nasce, pode emergir a qualquer momento, especialmente na fase adulta, quando se alimenta o caminho da bondade, se bebe da fonte da sabedoria e se ilumina com a luz do espírito. O salto quântico da sua consciência faz nascer um novo Ser Humano, evoluído e com todas as suas qualidades: altruísta, compassivo, solidário, fraterno, humilde, justo, cuidadoso e que emana um imenso amor pelo seu semelhante, mas também pela flor, pela coruja, pelo rio, pelo bosque e pela montanha. Quando a consciência se expande abarcando as outras formas de vida, os sistemas naturais e até o Sol, surge uma nova Luz na Humanidade, um novo Messias – o menino Jesus que se tornou o Cristo.

O Solstício de inverno está carregado de mistério, simbolismo, rituais, tradições e lendas. Mas a história precípua é do renascimento da luz sobre as trevas, a vida sobre a morte aparente. Há momentos na vida, em que estamos perdidos, onde a escuridão é asfixiante e ameaça a nossa existência. Nestes momentos há que olhar para os ciclos da Natureza e ver que mais tarde ou mais cedo a luz há de retornar às nossas vidas. Também podemos mergulhar no nosso Interior, abrindo as janelas da Alma, para deixar que a Luz que Somos, possa orientar-nos no Caminho e na Vida, ou podemos nos inspirar nos raios de Luz Espiritual que os Mestres nos deixaram, pelo exemplo de amor ao próximo, seja o próximo de duas pernas ou de quatro patas, tenha asas ou barbatanas, casca dura ou de forma cristalina.

Uma pequena luz é capaz de vencer as trevas mais profundas. É como um farol que orienta o caminho nas marés da vida.

 

Luz

Luz do fogo

Aquece meu corpo

Com a Força do teu calor

Para o manter ativo

No trabalho, na saúde e no rigor.

 

Luz

Luz da vela

Aquece e ilumina minha alma

Com a Beleza da tua chama

Para quebrar a ira e o apego que me trama

E fazer raiar a alegria, o amor e a calma.

 

Luz

Luz da Estrela

Ilumina o meu mental

Com a Sabedoria da tua Graça

Para abolir as fronteiras que o ego meticulosamente traça

E resplandecer a Faúlha do Uno que tudo abraça.

Para citar este artigo:

MOREIRA, Jorge. Luz Renascente – Reflexões sobre o Solstício de Inverno e do Natal Cristão. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-48/luz-renascente/, número 48, 2023

Como seria o mundo se pudéssemos ver

A Não-Forma discreta de cada ser?

Essa Subtileza que nos torna iguais a todos os demais!

E se pudéssemos perceber que todas as vidas humanas e mais-que-humanas

Jorge Moreira

Jorge Moreira

Ambientalista e Investigador

Licenciado em Ciências do Ambiente, Minor em Conservação do Património Natural, mestre em Cidadania Ambiental e Participação, pela Universidade Aberta, e Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra. É bolseiro FCT e investigador do Centre for Functional Ecology, Science for People & the Planet da Universidade de Coimbra.
É vice-presidente da FAPAS - Associação Ambientalista para a Conservação da Biodiversidade; dirigente da Sociedade de Ética Ambiental, dos movimentos cívicos Alvorecer Florestal e Aliança pela Floresta Autóctone.
É autor de vários artigos dedicados ao ambiente e voluntário em inúmeras ações de defesa, conservação, promoção e recuperação do património natural.
Tem desenvolvido investigação nas áreas da Ética Ambiental, Educação Ambiental, Sustentabilidade, Alterações Climáticas, Ecologia Profunda e Ecologia Espiritual, onde tem realizado conferências e promovido os temas.

shakti@sapo.pt