O Cântico dos Cânticos

Coluna de Amala Oliveira

3 MIN DE LEITURA | Revista 47

Querida Humanidade minha

Observo o nascer e o pôr do sol e vejo a Terra a mover-se, emocionando-me ao sentir que estamos, momento a momento, a planar num oceano cósmico em direcção a um destino desconhecido movidos por uma razão absolutamente misteriosa.

Estamos juntas nesta nave-mãe, querida Humanidade, para onde quer que o Destino e a Graça nos levem.

É preciso um bilhão de anos-luz para que o piscar de uma estrela nos alcance.

Da mesma forma, a luz da Terra levará muito tempo até chegar a outro planeta. Tempo, essa série ininterrupta e eterna de instantes.

Como seria, Humanidade, se por um mero instante olhássemos para além da nossa condição humana, das identificações singulares que ostentamos com tanto orgulho?

Incentivo-me a acender a candeia da esperança, engolindo a tristeza, a dor e a raiva, moendo a frustração perante o absurdo das balas, gritos de guerra e bandeiras de Fé.

Lembro as orações-feitiços da minha infância e rezo pela paz, por amor em nós, querida Humanidade. É curioso que sejas uma “entidade” feminina.

O reino do sexo e o reino da bruxaria sempre foram para mim território feminino. Em casa a minha mãe recebia mulheres a quem tirava o cobranto, recitava responsos ou que ali chegavam (muitas vezes ensanguentadas) em fuga da violência dos maridos. Tenho bem presente imagens vivas que me fazem ser, tal como o era a minha mãe, uma feroz defensora das mulheres.

Talvez por essa natural afinidade com mulheres, esses lugares de segurança tecidos e apreendidos com uma mãe poderosa, uma irmã mais velha e uma avó que me criou no avental, é que encontro inspiração junto às minhas comadres.

E penso muitas vezes – em dissertações mais ou menos profundas – como seria esta viagem humana se fossem mulheres a governar as leis e os estados (essas criações humanas tão questionáveis).

Sei que enquanto seres humanos estamos ligados numa conexão psíquica global, criando histórias, recriando narrativas, tecendo o Poder da manifestação a cada dia que passa, instante a instante.

Quando aceitaremos o facto de que estamos todos juntos, afinal? Uma só Natureza Humana, uma só Humanidade.

Observo uma mosca a morrer lentamente no parapeito da janela, cada um dos seus movimentos levando o seu tempo até ficar completamente imóvel.

Agradeço-lhe em reverência por me permitir ser testemunha daquilo por que um dia passarei também. Este inefável milagre da Vida-Morte-Vida do qual fazemos parte, querida Humanidade.

Os espíritos do bosque chamam-me e corro em direcção aos meus lugares de eleição para a dança da alegria e do prazer. Preciso de me sentir viva, de me sentir ligada ao Campo Maior, de renovar e rejuvenescer a fé em nós, Humanidade.

Pudéssemos nós viver o lema “Make Love Not War”…

Fazer amor – fazer O amor – Ser amor – amar-te Inteira Humanidade Toda.

A revelação do passado humano acontece nos ossos, a memória ancestral gravada nos genes em detalhes preciosos. Assim como a memória de muitas outras naturezas se encontra fossilizada em belezas mil. Tempo além do tempo.

Invoco pois a sabedoria dos ossos e os murmúrios intemporais da pele.

Transbordo pingos de ligação aos centros cardíacos de cada um de nós seres humanos.

Convoco a irmandade-fraternidade-Humanidade rogando uma prece com o corpo inteiro, camada a camada de espírito acordadas, cantando em uníssono a mesma melodia: Viva A Vida – Preciosa Vida – Vida em Cada Forma, enquanto passo o portal da pequena morte.

E assim querida Humanidade me despeço.

Como dizia o grande poeta, “todas as cartas de amor são ridículas”.

Talvez também eu seja ridícula, uma sonhadora ingénua crédula numa visão pacífica e prazerosa que atribuo ao viver, nas texturas de regozijo que pinto no Mundo.

Ou talvez, só talvez, como dizia um outro poeta,

“Imagine there’s no countries

It isn’t hard to do

Nothing to kill or die for

And no religion too

Imagine all the people

Living life in peace

You may say I’m a dreamer

But I’m not the only one

I hope someday you’ll join us

And the world will be as one”

…E se calhar não sou mesmo a única. Estou a juntar um batalhão.

Para citar este artigo:

OLIVEIRA, Amala. Querida Humanidade minha. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-47/querida-humanidade-minha/, número 47, 2023

É preciso um bilhão de anos-luz para que o piscar de uma estrela nos alcance.
Da mesma forma, a luz da Terra levará muito tempo até chegar a outro planeta. Tempo, essa série ininterrupta e eterna de instantes.
Como seria, Humanidade, se por um mero instante olhássemos para além da nossa condição humana, das identificações singulares que ostentamos com tanto orgulho?

Amala Oliveira

Amala Oliveira

Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator

Sou Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator, pioneira da Sexualidade Sagrada em Portugal, vivendo-a e partilhando-a como um caminho de devoção, cura e revelação.
Investigo o Paganismo e Xamanismo Ibéricos, tendo sido iniciada na Bruxaria Tradicional Portuguesa pela minha mãe. Sou Buscadora de Visão, Temazcalera e Guardiã de Fogo Sagrado pela linhagem da Abuela Margarita.
Herbalista aprendiz do mestre alquimista Juan Plantas nas plantas mágicas e medicinais da Península Ibérica, sou a fundadora do projecto SAGRAR e autora do Oráculo dos Animais da Península Ibérica.