Mil-em-Rama

Coluna de Maristela Barenco

2 MIN DE LEITURA | Revista 46

As bases amorosas da Vida

 

O cientista e ativista brasileiro, Antonio Nobre, profundo pesquisador da Amazônia, no ano de 2019, em um debate no ciclo selvagem[1], postulou que

“existe um amor incondicional na natureza”.

E que esse trabalho vem sendo evidenciado por estudiosos exímios, como Ernst Götsch, com sua pesquisa e conhecimento sobre agricultura sintrópica; com Paul Stamets, com sua pesquisa e conhecimento sobre fungos; com Suzanne Simard, com sua pesquisa sobre a comunicação entre árvores. Exemplifica, postulando que as células somáticas sempre exercem uma pequena parte do seu potencial, para compor uma rede sistêmica de cooperação e colaboração com uma dada finalidade. E que as células que rompem com a lógica amorosa desse sistema são as chamadas tumorais. Sobre elas, as células de defesa, os linfócitos, atuariam como uma espécie de polícia antiegoísmo, que atuariam virando uma chavinha nesta célula que se separa do todo, promovendo a sua desintegração. Mas uma das coisas mais fortes que ele disse, nesse vídeo, é que vivemos em uma “sociedade tumoral”, que premia a meritocracia em detrimento da cooperação, processo inadmissível na natureza.

            Ano passado nos despedidos do biólogo chileno, Humberto Maturana, cujos estudos evidenciam os processos de cooperação como base de toda evolução humana. Para o autor, a cooperação constitui o eixo de qualquer processo que se atribui o adjetivo de socialização. Ele também chama de amorização o processo através do qual aceitamos o outro, como legítimo outro, nos processos do viver.

Fico a pensar, com essas abordagens, os impactos de um tipo de sociedade sobre o ser humano, que o apartou/afastou da natureza, que é sua condição. De um ser humano identificado com a artificialidade de uma ambiência cultural, de cunho capitalocêntrico, que transforma o princípio da cooperação em competição, em uma tal proporção, que hoje podemos falar de uma realidade de violência estrutural. Sim, somos uma “sociedade tumoral”, cujo modo de vida coloca em crise as bases de sustentabilidade do planeta azul.

Mas como as crises engendram possibilidades, temos algumas para pensar.

            A primeira delas é sobre os impactos das narrativas que propagamos, que considero anticientíficas, que postulam que o ser humano é violento por uma suposta natureza e, por isso, o ambiente cultural de competição, em que estamos imersos, seria presumível.

Acredito que todas as narrativas  que propagamos para afirmar que não há saídas e mundos outros possíveis, para além desse, estão a serviço da lógica planetária neoliberal. É preciso, e mais do que isso, é urgente, refecundar as narrativas da potência que pode ser o humano, e os humanos, quando em equilíbrio e alinhamento com as forças cooperativas da natureza. O neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, fala que uma das maiores potências desse humano é a sua capacidade se se articular em movimentos vivos, pela vida e a favor dela.

            A segunda tem a ver com a tarefa de desromantizar um tipo predominante de amor (que apaga todas as outras experiências, e que vem sendo cooptado por uma cristandade ocidental e por um modelo colonial, que cresce nas sociedades neoliberais, e que domestica as forças da vida), para podermos reexperimentá-lo como uma condição-força, que emerge em relações alteritárias e dialógicas. Sim, não podemos mais amar o outro porque nos colocamos no lugar dele. Temos que amar o outro, porque toda alteridade é legítima e compõe o princípio da biodiversidade.

O amor incondicional, como matriz da natureza e da vida, é uma propriedade que emerge na interação de um sistema biodiverso e incompleto, que se realiza sempre na busca de uma completude cooperativa e colaborativa. As crises que despontam, sobretudo as climáticas globais, já despontam com suas sentenças: ou nos salvaremos todos, ou sucumbiremos todos. A vida é um sistema complexo. Com-plexus significa abraço. No abraço amoroso podemos entrever um futuro como potencialidade. A nós resta escolher.

 

[1] https://www.youtube.com/watch?v=Nhom_vWVFos

 

Para citar este artigo:

BARENCO, Maristela. As bases amorosas da Vida. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-46/as-bases-amorosas-da-bida, número 46, 2023

De um ser humano identificado com a artificialidade de uma ambiência cultural, de cunho capitalocêntrico, que transforma o princípio da cooperação em competição, em uma tal proporção, que hoje podemos falar de uma realidade de violência estrutural. Sim, somos uma “sociedade tumoral”, cujo modo de vida coloca em crise as bases de sustentabilidade do planeta azul.

Maristela Barenco Corrêa de Mello

Maristela Barenco Corrêa de Mello

Psicóloga e Doutorada em Ciências Ambientais

Formada em psicologia, com doutorado em ciências ambientais, estuda subjetividade, é professora universitária, idealizadora do Canal de Podcast Mil-em-Rama e participante do projeto Conversas do Além-Mar.

Professora do Departamento de Ciências Humanas do INFES - UFF
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino - PPGEn-UFF
Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente - PPGMA-UFF

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