Mil-em-Rama

Coluna de Maristela Barenco

2 MIN DE LEITURA | Revista 44

Como restaurar a percepção complexa e relacional para a Vida?

 

Está em curso um projeto de linearização do mundo, da vida, do pensamento. O velho método cartesiano – do “cogito, ergo sum”, que postula que, para compreender é preciso objetivar (o que implica dessubjetivar), e que um problema precisa ser decomposto para ser compreendido – está em pleno retorno, de mãos dadas com o movimento conservador do mundo. Logicamente, a linearização do mundo, da vida e da mente interessa a muitos.

O pensamento ecológico, no entanto, tão imprescindível neste momento da humanidade, tece-se sob outra lógica: a da complexidade e a das relações. Lá pelos idos de 1860, a palavra Ecologia despontava, pelo biólogo Ernst Haeckel, com um sentido altamente complexo: a ciência das inter-retro-relações. Sua percepção é de que todos os fenômenos da vida são conjuntos, atravessados por relações que se tecem entre si, para além de si, mas também aquém de si.

Da mesma forma, a teoria da complexidade, através do pensador francês Edgar Morin, vem nos lembrar que complexo não é o que atribuímos como difícil, mas é a compreensão de que os processos  são tecidos conjuntamente e que um dos desafios maiores desse tempo e do conhecimento seria restituir os processos às suas redes relacionais.

Descartes acreditava que o todo é feito por partes decomponíveis. Já Morin nos adverte que o todo é algo mais do que a soma das partes, à medida em que ele produz qualidades inexistentes nas partes separadas.

            Para Morin, a era do pensamento cartesiano nos desconstituiu da capacidade de religar as ideias e as coisas, e da capacidade de compreendermos problemas globais e multidimensionais.

Apesar de o pensamento especialista afirmar que a Ecologia é uma ciência específica, eu diria que a Ecologia é uma lógica e um jeito complexo de pensar, de conhecer e atuar. Toda vez que reinserimos as ideias e os problemas na trama do mundo e em seus contextos, e que lhes atribuímos inter e retro relações… estamos fazendo Ecologia e devolvendo ao mundo a possibilidade dos sistemas da Vida se regenerarem.

Os povos originários e da floresta, que ficaram, em grande parte, imunes ao reducionismo e à linearização do mundo, possuem uma epistemologia, a qual perdemos: conhecer, para eles, é subjetivar, atribuir subjetividade, tentar compreender o ponto de vista vivo daquilo que se conhece, sua perspectiva, para além do labirinto racional em que nos movemos.

Enquanto seguimos, orgulhosos, afirmando nossos “objetos” do conhecimento, seguimos separando, retirando a dimensão viva e relacional dos processos e dessubjetivando. E de tanto dessubjetivarmos, vamos nos tornando objetos mesmo, analfabetos relacionais, interrompendo o fluxo da vida, e colaborando com políticas que ignoram a dimensão complexa da Vida.

Esquecemos que “(…) Quando se extingue uma espécie de ave, extingue-se meia espécie de mamíferos, duas espécies de peixes, 35 espécies de plantas e 90 espécies de insetos (…)” (Altvater, 1995).

Na contra-hegemonia desse processo de linearização do mundo, de origem patriarcal, há movimentos de mulheres que entendem, profundamente, que a vida é ligação, religação, inter-ligação, retro-ligação. E como as bordadeiras e tecelãs habilidosas, de todos os tempos, seguimos unidas, conduzindo ininterruptamente o fio que pode restaurar os sistemas da Vida. A grande Mãe, Mestra e Anciã se regozija e se reintegra em cada intento.

Apesar de o pensamento especialista afirmar que a Ecologia é uma ciência específica, eu diria que a Ecologia é uma lógica e um jeito complexo de pensar, de conhecer e atuar. Toda vez que reinserimos as ideias e os problemas na trama do mundo e em seus contextos, e que lhes atribuímos inter e retro relações… estamos fazendo Ecologia e devolvendo ao mundo a possibilidade dos sistemas da Vida se regenerarem.

Maristela Barenco Corrêa de Mello

Maristela Barenco Corrêa de Mello

Psicóloga e Doutorada em Ciências Ambientais

Formada em psicologia, com doutorado em ciências ambientais, estuda subjetividade, é professora universitária, idealizadora do Canal de Podcast Mil-em-Rama e participante do projeto Conversas do Além-Mar.

Professora do Departamento de Ciências Humanas do INFES - UFF
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino - PPGEn-UFF
Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente - PPGMA-UFF

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