Ciclos da Terra e da Alma
Coluna de Íris Lican Garcia
3 MIN DE LEITURA | Revista 44
Colheita Consciente
Stephen Harrod Buhner diz-nos que o corpo da planta cura a doença, mas o espírito da planta cura a pessoa.
Sajam Popham diz-nos que a colheita deve seguir 4 princípios essenciais: reverência, comunicar com a planta como faríamos com um ser humano, com respeito, gentileza, amorosidade; pedir permissão ( e sentir no corpo se é dada ou não), colher apenas o necessário sem colocar em risco a planta e seres que dela dependem e sem a magoar ao colher, deixar uma oferenda de gratidão ( nas tradições ameríndias são cantos, orações, pedacinhos de folha de tabaco ou milho, um pouco da nossa refeição).
Robin Wall Kimmerer diz-nos que não se pode colher sem reciprocar: temos que ter o cuidado de repor o mais possível. Então, se colhemos uma planta, reciprocar é tratá-la com respeito, é ter toda a gentileza e cuidado ao colher, é usar absolutamente tudo o que colhemos sem qualquer desperdício.
Em algumas tradições nativas africanas, os curandeiros perguntam à floresta se podem usar ou não determinada planta para determinada pessoa, porque por vezes a planta está a curar outras plantas e o próprio bosque.
Para os proto-celtas o bosque é o templo divino, e cada planta é um pedaço do corpo do Deus Verde, por isso é com todo o amor e gratidão que ingerimos plantas, porque a cada ingestão, estamos a tornar-nos bosque e a preparar-nos para ser alimento do bosque, sendo esse o maior caminho espiritual.
Se os povos indígenas guardam 80 a 90% da bio-diversidade da Terra, temos que escutar as suas histórias, as suas experiẽncias conscientes e orientadoras. Ao mesmo tempo temos que resgatar as nossas mitologias ecológicas bio-regionais e autóctones, que entendem a planta que tem brotos como estando grávida, e quem ousaria ferir uma grávida?!
Colher é importante para a disseminação das plantas? Claro que sim.
Num contexto natural, quanto mais a planta fôr apetecível a animais com grande mobilidade maior possibilidade tem de disseminação no território. A planta cuida a sobrevivẽncia da espécie, não do indivíduo. O quanto somente este aspecto os ensina sobre o que é viver, não é?
Porém, nós já não somos apenas seres que vivem inteiramente na floresta, que deixam cair sementes quando caminham, ou as cospem ou as defecam no chão já em pré-germinação, por consequẽncia. O nosso impacto precisa de ser medido porque os nossos bosques são actualmente ecossistemas frágeis e com excesso de intervenção humana.
Colher com consciência e na reciprocidade possível, praticar dedicadamente ver a planta como um ser consciente que não, não fala português, mas tem uma linguagem, e podemos e até devemos aprendê-la, mesmo se nos confronta e desconstrói e sobretudo por isso mesmo, porque é necessário que nos tornemos bosque em vida. As interacções das plantas são sempre psico-emocionais. Como vamos poder aprender esta linguagem se as reduzimos a efeitos físicos visíveis, ou de tomamos tantas plantas que não há possibilidade de integração, como se estivéssemos numa sala com centenas de pessoas a falar ao mesmo tempo.
Sim, a Terra e as plantas, as águas e as pedras chamam-nos.
A saudade move-nos, mas temos que despir o condicionamento cultural que nos impede de ter uma presença verdadeira, humildade, sem domínio sobre os territórios e seres selvagens.
Quando o bosque nos deixa entrar, é como se alguém nos convidasse para almoçar: vamos partilhar com gratidão a refeição, mas não vamos usurpar os bens da pessoa ou tocá-la abusivamente.
É assim de simples.
Por isso, antes de colher: aguarda, sente a planta, comunica com ela. Pede permissão, cria intimidade e relação. Colhe numa quantidade que não afecte a sobrevivência nem da planta nem ponha em causa as suas funções no ecossistema. Isto é particularmente importante na colheita de flores e brotos. Nunca mais de ⅕ da planta. Agradece, retribuí, compromete-te com usar tudo o que colhes, sem desperdiçar.
Rosemary Gladstar diz-nos que mais importante do que conhecer 40 plantas é conhecer as 40 qualidades de uma planta. E não são precisas muitas, importante, é conhecer bem as que nos acompanham a cada fase de vida, e Amar todas as outras sem precisar de as possuir.
Terence Mckenna diz-nos que toda a Natureza é uma linguagem viva.
Será que a podemos reduzir a palavras? Não creio, precisamos de ampliar a consciência. E absolutamente todas as plantas, fungos e bactérias desencadeiam e trabalham com estados ampliados de consciência. Há tanto a acontecer no limiar do que consideramos válido e normal, há tanta fertilidade nos lugares de encontro que são margem.
Rosemary Gladstar diz-nos que mais importante do que conhecer 40 plantas é conhecer as 40 qualidades de uma planta.
Íris Garcia
Colunista e Autora regular da Revista
Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única, em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.
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Reflexões vivas sobre Terra Corpo como Medicina: eco-filosofia, eco-mitologia, espiritualidade da Terra, herbalismo, movimento, arte e terapia eco-somáticos.