O Cântico dos Cânticos

Coluna de Amala Oliveira

3 MIN DE LEITURA | Revista 44

Brotar o Amor em Visão de Fogo

 

Beltane passou e sinto no ventre o latir do solstício de verão.

Quando eu era menina ouvia muitas vezes durante as lidas do campo as mulheres dizerem, de forma cúmplice e divertida, que a resposta para os problemas e aflições no corpo queixoso de alguma delas era “falta de peso”. Ou “peso a mais”. Diziam isto e riam-se muito. Eu, criança ingénua e curiosa, não conseguia compreender como é que uma dor de cabeça ou um mau jeito nas costas tinha ligação a flutuações de peso. Haviam de se passar muitos anos para eu perceber o significado de tal piada privada. Porém, quando finalmente compreendi (de forma pragmática e muito satisfatória) o sentido do gracejo, abriu-se todo um novo dicionário de noções de mim, das outras pessoas e do próprio mundo. Senti-me incluída no universo secreto das mulheres adultas, onde falam em código e partilham enigmas.

Como boa aluna que sou, decidi aprender mais sobre as virtudes terapêuticas do sexo. Não que tivesse enxaquecas ou torções nas costas – mas uma rapariga tem de ser precavida e, bom, passados tantos anos ainda não parei a diligente investigação. Enfim, ossos do ofício, creio eu.

Venho de uma família católica, nascida numa aldeia no meio de galinhas, porcos e vacas, a melhor das amizades numa infância muito solitária sem crianças perto para brincar. Talvez por isso tenha tido uma ligação tão estreita com a natureza e um contacto forte com o meu próprio corpo, explorações e sensações.

Lembro-me perfeitamente do meu primeiro orgasmo. Tinha 5 anos e estava ao lado da minha avó. Frente à lareira, com os pés apoiados ao alto e um livro de histórias infantis no regaço, procurava descortinar o sentido das frases com as letras e palavras que já conseguia ler.

A lombada pesada descansava e despertava o meu ventre e não me recordo exactamente dos movimentos e ajustes que fiz mas recordo o calor intenso, o batimento a subir de tom até ficar ensurdecedor, como um comboio a aproximar-se a alta velocidade, e uma explosão que me deixou suspensa num imenso espaço vazio e cheio de cores ao mesmo tempo, um milhão de estrelas no meu umbigo e dele saindo um fio cor de lava para esse mesmo espaço onde flutuava, ligando-se a uma espécie de grelha de fogo.

Nunca me esqueci desta experiência. Até porque o constrangimento óbvio da minha avó (que virava a cara de forma consternada) me fez entender em dois segundos que o que quer que ali tivesse acontecido, não era bem vindo, pelo menos em público.

Como a Alice no país das maravilhas, desci muitas vezes a toca do coelho para descobrir e explorar lugares secretos de prazer – e as visões que daí vinham. Sempre tive visões em estados de profunda excitação, em pré e pós orgasmo e cedo entendi que isto não era, de todo, o que normalmente as pessoas sentiam no sexo. Numa humanidade tão centrada na racionalização, no entendimento científico e no controlo (quase) absoluto do corpo, é francamente difícil confiar na sabedoria dos estados caóticos, selvagens e viscerais do desejo sexual e na grande medicina da energia erótica. Ou aceder à magia e à revelação.

Porém, a Vida, esse Grande Mistério, brota, floresce e ramifica em teias de fogo vivo, na lava transformadora do amor.

 

Fazer Amor. Fazer o Amor. Como fazemos nós o Amor em cada dia? Que parte contribuinte é a nossa enquanto artífices de relações e de formas de amar? E se de cada vez que nos partilhamos intimamente, estivermos a contribuir para uma imensa grelha de fogo sagrado, repositório-semente-memória de toda a humanidade, de toda a existência na Terra?

 

Creio firmemente que o sexo é a forma mais honesta de oração e a mais profunda das meditações. Sigo caminho no aprender a escutar o corpo e a dançar a libido com o movimento do vento, das marés e das estações, partilhando com quem queira esta visão de fogo.

 

Neste portal solsticial, rezo para que possamos honrar a Vida na sagrada comunhão do corpo, assim curando a grande e traumática ferida da sexualidade.

 

Que a cura aconteça, que o amor prevaleça.

Numa humanidade tão centrada na racionalização, no entendimento científico e no controlo (quase) absoluto do corpo, é francamente difícil confiar na sabedoria dos estados caóticos, selvagens e viscerais do desejo sexual e na grande medicina da energia erótica. Ou aceder à magia e à revelação.

Amala Oliveira

Amala Oliveira

Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator

Sou Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator, pioneira da Sexualidade Sagrada em Portugal, vivendo-a e partilhando-a como um caminho de devoção, cura e revelação.
Investigo o Paganismo e Xamanismo Ibéricos, tendo sido iniciada na Bruxaria Tradicional Portuguesa pela minha mãe. Sou Buscadora de Visão, Temazcalera e Guardiã de Fogo Sagrado pela linhagem da Abuela Margarita.
Herbalista aprendiz do mestre alquimista Juan Plantas nas plantas mágicas e medicinais da Península Ibérica, sou a fundadora do projecto SAGRAR e autora do Oráculo dos Animais da Península Ibérica.