artigo de margarida trincão
E o Alentejo aqui tão perto
3 MIN DE LEITURA | Revista 40
“Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação.
Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte.”
Excerto de “Margem Sul” de Adriano Correia de Oliveira
A realidade mudou e os novos pobres, mais pobres não nasceram sob o sol alentejano, perdidos nas terras a perder de vista da planície. Vieram de outros mundos, duros, frios, em busca de melhores condições de vida para si e para os seus que lá longe esperam por minorar a fome e a miséria. O novo esclavagismo do século XXI não escolhe os homens pela dentição, pela compleição física, nem lhe coloca uma coleira de ferro com o nome do dono. São outras as formas vão buscá-los aos seus países de origem com promessas de melhor vida e empregam-nos em empresas fictícias. Atiram-nos para casas sub-humanas e superlotadas; atribuem-lhe vencimentos impensáveis e cobram a “enorme “ dívida do transporte e do alojamento. Muitos não sabem falar português, não sabem como defender-se, são trabalhadores ilegais sob a ameaça de se reclamarem, não só eles, mas também as famílias lá longe, sofrerão represálias.
A vergonha de um país que se assume como defensor dos Direitos Humanos veio de novo para as primeiras páginas. Toda a gente vê aqueles homens, toda a gente sabe que não são alentejanos, nem portugueses. Toda a gente sabe.
Foram detidos 35 ou 36 suspeitos deste tráfico de seres humanos., só quatro ou cinco foram ilibados, os restantes ficaram em prisão preventiva… E eles (alguns conterrâneos dos testas de ferro dos contratantes), eles que vieram em busca de um pequeno el dourado lá continuam a trabalhar e lutar pela sobrevivência. Aos que fogem da guerra na Ucrânia chamam-se, e bem, refugiados. Estes são migrantes… gente menor. As palavras têm mais força do que aquela que rapidamente se lhes atribuí.
Tudo isto logo após o começo do Campeonato do Mundo e do inexistente respeito pelos Direitos Humanos do país onde se realiza. Mas agora é tempo de mundial, esqueçamos esses “pormenores” e vamos apoiar a selecção Nacional. E aí vão todos, os três máximos representantes da nação vão, ou foram, ao Qatar. Porque o que importa é a selecção, o futebol, um dos três efes que Salazar tanto sobrestimava.
Desconheço os meandros que levaram à escolha do país, ou melhor vou ouvindo notícias. Mas não é difícil concluir que por detrás de tudo estão os interesses económicos. Os mesmos que levaram um especialista (há especialistas para tudo, nem que seja para fazer omeletes…) dizer que a propósito do Instituto Nacional de Estatística (INE) que a população nacional decresceu e está cada vez mais velha que “a longevidade concorre contra a economia”. Sei que estou a descontextualizar, mas também sei que para a esmagadora maioria (os políticos e afins são um caso à parte) a reforma ou pensão que recebem fica muito aquém dos descontos mensais que fizeram ao longo de uma vida de trabalho. Claro que sim. Somos todos (ou quase) a pagar tudo. No entanto, os “quase” que escrevi entre parêntesis não pagam nada só recebem e muito.
Gosto que selecção ganhe, é verdade. Vejo o calendário e o final dos jogos, não sei quem são os jogadores, conheço o nome de dois ou três e fico-me por aqui. Zanguei-me com o “desporto-rei” há muitos anos, quando a transferência de um importante jogador da bola fez manchete em todos os jornais, diários e semanários, remetendo para um segundíssimo plano, e só em alguns casos, a enorme divida que, à época, a RTP tinha à Segurança Social (SS). Na mesma época em que a SS andava como cão de fila em busca de pequenas dívidas de empresas e particulares.
A história é antiga, tão antiga como a escravatura, o desrespeito pelos Direitos Humanos, pelas Mulheres, pelos velhos. Viva o futebol que o resto são trocos.
E o Alentejo aqui tão perto!
O novo esclavagismo do século XXI não escolhe os homens pela dentição, pela compleição física, nem lhe coloca uma coleira de ferro com o nome do dono.
Margarida Trincão
Jornalista
Nasceu nos finais de setembro de 1955, na aldeia ribatejana de Lapas, concelho de Torres Novas. Ciosa das suas raízes rurais, foi na aldeia que aprendeu os ciclos da vida. O nascer e o morrer. O semear e o colher. Olha a floresta sem nunca esquecer que as frondosas árvores nasceram de uma pequena semente que um dia na terra germinou.
Formada em jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social, iniciou à sua actividade profissional nos semanários “O Jornal” e “Se7e”. Anos depois voltou para Lapas. Aí nasceram os seus dois filhos. Dedicou-se à imprensa regional. Há cerca de 16 anos que é directora do mensário abarca, sediado em Abrantes.
- abarca.com.pt