artigo de sofia batalha

Como ser um Guru

3 MIN DE LEITURA | Revista 39

Aqui no ocidente moderno achamos que ser um Guru, seja espiritual ou de auto-ajuda, é ser especial, é ser alguém que tem as chaves da luz e da cura. É ser alguém inspirador que sabe coisas, alguém que detém as respostas que procuramos e os significados que ansiamos.

Muitos Gurus começaram pela intenção natural de “ajudar os outros”, mas são facilmente arrastados pelo marketing da auto-imagem e o culto do indivíduo. Para além da perigosa linearidade das receitas infalíveis.

Muitas pessoas dizem-me que querem mesmo “ajudar os outros,” que se sentem mesmo bem quando ajudam alguém e que é isso que querem fazer da vida. Costumo dizer que a necessidade de “ajudar os outros” não vem de ser especial ou puro de coração, mas de um imperativo visceral e biológico: como seres que vivem em grupo, a nossa natureza intrínseca está na ajuda ao outro e até recebemos benefícios químicos de prazer ao fazê-lo. Ajudar o outro é afinal “apenas” ser humano. Mas como nos dissociámos tanto do conceito de comunidade numa cultura hiper-individualista, ficamos a achar que alguém que quer “ajudar o outro” é especial.

Novamente, como seres gregários, que vivem em grupo, gostamos de fazer parte, de ser ouvidos e tidos em conta, que nos olhem e acarinhem. Todos o merecemos, todos temos direito a pertencer. Temos também a responsabilidade de ouvir de volta, de ter em conta outras vozes, de olhar e acarinhar.

Após estudar algum método comprovado, idealmente o mais rápido possível e com direito a diploma e certificado, é muito fácil ser Guru. Levianamente confundimos o investimento monetário na formação com a real aprendizagem, iludindo-nos que o valor pago equivale ao compromisso e disponibilidade para falhar e aprender. Baralhando o investimento de tempo em experiência e prática com o diploma recebido. A seguir só temos de encontrar pessoas fragilizadas e mantê-las assim, com micro agressões, ‘bullying’ e manipulação hierárquica e tóxica, enquanto acreditamos ser especialistas e sempre necessários. Talvez até intocáveis de alguma forma, reflectindo os ideais de perfeição de cada um. Muitas vezes nada disto é sequer consciente. O medo aqui é uma ferramenta essencial: o receio que os clientes têm de tomar a “decisão errada,” assim como o temor do que possa surgir sem os conselhos do Guru e a ilusão de cura perfeitas e chegadas triunfantes sem nódoas nem falhas – são apenas algumas das ansiedades que surgem quando alguém se alimenta do delicado poder que trazemos no peito.

A questão é que é precisa maturidade e discernimento para tomarmos o tempo de errar e aprender, é necessária humildade para perceber como de facto nos envolvemos em presença ou como agimos. Será para o bem do outro ou para o nosso próprio benefício?

No entanto, um verdadeiro Guru é aquele que não se torna necessário ou fundamental. É quem relembra a soberania de cada um e faz parte da teia em responsabilidade e reciprocidade, e não em hierarquia.

Ninguém tem todas as respostas, ninguém é infalível e ninguém está fora da rede da responsabilização ou prestação de contas. Um verdadeiro Guru não existe fora do culto da personalidade, apenas existem pessoas em relação e presença. Somos pessoas, todos nós, cada um com os seus traumas, parcialidades e pontos-cegos. Pessoas umas vezes calmas e outras exaltadas. Somos pessoas tenrinhas e todos precisamos de carinho, mesmo que tenhamos diplomas que comprovem que sabemos os métodos e receitas infalíveis. Porque na realidade todos sabemos que o caminho da vida é complexo e sazonal e nunca linear.

Cartografamo-nos em humildade.

É imprescindível que nos mapeemos em humildade e responsabilidade, e sem ilusões sobre o nosso excepcionalismo.

Confundimos facilmente ajudar outros com autoridade e liderança, por vezes esquecendo que a lealdade e a integridade devem estar sempre presentes. Esquecendo que deve haver responsabilidade e ética nas acções.

Com a cristalização excessiva (1), podemos ficar insensíveis, cruéis, cheios de ressentimentos e rancor, pois tudo fica sujeito ao nosso julgamento cortante. Pode ser difícil a sensação de derrota, o perder ou a rendição. Temos de ser os vencedores, os que têm sempre razão. Tendemos a fugir do resultado imperfeito, da vergonha, da desilusão e da desonra. Um Guru tem de saber a resposta certa e proporcionar resultados infalíveis! Por vezes continuamos a fugir por muito tempo, escondendo-nos nos processos dos outros. Ardilosamente perdemo-nos de nós próprios.

Precisamos de aceitar que precisamos de abrigo, de nos deixar cair, exaustos, no silêncio da escuridão funda que trazemos. Enrolamos, aninhamos e choramos. Abandonamo-nos à nossa tristeza, à vergonha e à culpa da desonra. Rendermo-nos à insustentabilidade da dor. Abrindo as portas das armaduras internas e permitindo sentir todas as derrotas no corpo.

O tempo é o necessário para chorarmos os lutos e mágoas. As lágrimas acumulam-se aos nossos pés. Quando levantamos a cabeça de novo, agora sem certezas, apenas com cicatrizes e vazios de necessidades e expectactivas, contemplamos a maturação e a libertação. Admiramos a beleza da dor, da nossa imperfeição, da nossa verdade. Perdoamos. Sem ilusões de perfeição. Apreciamos a verdade dinâmica, poderosa e completa do ser humano em que agora nos tornamos. Somos humanos de novo!

 

(1) Parte deste artigo foi adaptado do capítulo das Grutas e Penedos do Noroeste do livro “Um Lugar Feliz”

 

Ninguém tem todas as respostas, ninguém é infalível e ninguém está fora da rede da responsabilização ou prestação de contas. Um verdadeiro Guru não existe fora do culto da personalidade, apenas existem pessoas em relação e presença.

Sofia Batalha

Sofia Batalha

Eco-Mitologia e Ecopsicologia; Fundadora e Editora da Revista

Mamífera, autora, mulher-mãe, tecelã de perguntas e desmanteladora o capitalismo-global-colonial-tecnológico um dia de cada vez. Desajeitada poetiza de prosas, sem conhecimentos gramaticais. Peregrina pelas paisagens interiores e exteriores, recordando práticas antigas terrestres, em presença radical, escuta activa, ecopsicologia, arte, êxtase, e escrita.

Certificada em Ecopsicologia e Mitologia Aplicada pela Pacifica University, nos EUA. Identifico-me como pós-activista, fazendo parte do Advisory Board da The Emergence Network.

*Homenagear hystera. Recordar a capacidade de resposta. (des)aprender em conjunto.

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Autora de 11 livros & 2 (Des)Formações
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