artigo de maria trincão maia
Como Aprendo
3 MIN DE LEITURA | Revista 38
Talvez este artigo não seja um artigo, seja uma partilha, seja um momento de reflexão, que eu, tu, nós, podemos fazer em conjunto. Não cabe em nenhum post de Facebook que me pergunta o que estou a pensar, como se os pensamentos fossem dignos de partilha. Mas as reflexões podem ser, talvez sejam, mas serão mais se forem em conjunto sobre como aprendemos. Eu posso partilhar a minha, é a única que conheço verdadeiramente, pelo menos parte. E demorou anos a compreender certos sistemas individuas de aprendizagem e é um processo em continuação (ou on going para ser moderna) confiar nesse processo. Porque confiar nesse processo é muitas vezes ir contra o ritmo que nos é imposto pelo exterior.
Confiar que os conjuntos desconectados de pensamentos e observações, as frases e situações aparentemente sem sentidos num ponto o farão. Que as resistências, dores e frustrações fazem parte de um processo que pode ser tanto intuitivo como racional.
Decorria um ano perdido no tempo antes da entrada da faculdade, aqueles tempos absurdamente estranhos, em que somos uma espécie de realidade paralela com duas pernas. Aproximava-se perigosamente o exame de física e os campos magnéticos, que tinham uma pontuação altíssima no exame permaneciam um mistério por resolver. Por muito que estudasse tudo parecia abstrato, os exercícios uma espécie de enigma indecifrável e a matéria era escrita numa língua desconhecida. Era uma sensação desconecta, como se o corpo e a mente não estivessem no mesmo sítio. A explicadora incansável dava quase por perdida a causa e mantinha-se em gestão de danos possíveis. Era antevéspera do exame, a noite era de estudo, como tinha sido a tarde e a manhã, assim como os dias anteriores, se não fosse de física seria de outra matéria qualquer. Adivinhava-se mais uma noite frustrante a resolver os exercícios a deitar o olho as resoluções, e de repente, tão depressa que podia se supor que viesse do nada, tudo se liga, os pontos abstratos e soltos afinal estavam ligados entre si por fios, o que era invisível tornou-se visível.
A matéria passou a ser escrita num português muito simples e os exercícios tornaram-se quase contas de 2+2, tudo ficou absolutamente claro e os todos os exercícios foram resolvidos rapidamente.
Na véspera do exame, novamente, explicadora, os olhos dela passavam incrédulos pelo caderno e por mim. Perguntou-me se tinha sido mesmo eu a resolver sozinha, eram agora os pontos dela que estavam desconectos. Ela ficou tão espantada que não percebeu o que se tinha passado, à medida que a sessão avançou e ela comprovou que agora eu era uma espécie de expert em campos magnéticos, que resolvi os problemas quase de cabeça e que se tornou uma espécie de brincadeira para mim respiramos as duas de alívio. Passei no exame, não me lembro com quanto, mas lembro-me que a parte dos campos magnéticos tive a pontuação máxima. Depois disto nunca mais ouvi falar do paradeiro deles. Ficaram algures dentro de uma gaveta fechada naquela cápsula temporal.
Este episódio passou, não retirei, até há pouco tempo, nada mais que o meu feito incrível de ter embasbacado uma explicadora com o meu momento do click. Anos decorreram, a aprendizagem necessária passou a ser muito prática em coisas do dia a dia, no trabalho em que é preciso andar para a frente não havia tempo de reflexão, estudava, aplicava, seguia em frente. Voltei à faculdade, e agora enfrento antigos processos de aprendizagem com nova forma de estar, de refletir. Compreendi que aquele episódio não é único ou tão pouco isolado, e que o momento do click é tudo menos um passe de magia.
Mas mais difícil que ser confrontada com matérias novas, dados novos, é aceitar que existe um período de tempo em que tudo é desconecto, abstrato, vago e que nada faz sentido e que o tempo e que o meu tempo pessoal, pode ser diferente (e é) do mundo a minha volta.
Que ao querer encurtar esse tempo, estou na realidade a assumir falsas aprendizagens, uma espécie de papel autocolante que trava o fluxo da aprendizagem, funcionando assim para tornar ainda mais invisíveis os fios que tecem caminhos entre os pontos.
Também compreendi que para além da matéria académica, o dito estudo, é assim que também projecto ou aprendo sobre mim própria e tudo à minha volta. Vivo muitas vezes durante anos numa espécie de sopa juliana de abstrações e desconexões, até ao dia em que tudo começa a fazer sentido. O que me ajuda nesse fazer sentido… só agora também o compreendi, a parte física. Não a física de há pouco, mas a física do meu corpo. O caminhar até a minha praia, o restaurar moveis e parte da casa, a materialidade da minha própria existência. Então corpo e mente juntam-se no mesmo sítio e juntos veem os pontos e os fios.
E vocês, como aprendem?
Que ao querer encurtar esse tempo, estou na realidade a assumir falsas aprendizagens, uma espécie de papel autocolante que trava o fluxo da aprendizagem, funcionando assim para tornar ainda mais invisíveis os fios que tecem caminhos entre os pontos.
Maria Trincão Maia
Editora da Revista
Pessoa, às vezes. À procura de alguma coisa que não sabe o que é. Caminhante por margens, que às vezes anda de carro ou bicicleta elétrica. Uma espécie de estudante e uma estudante de espécie. Designer mas não sabe de que... ainda. Porém, quase preferencialmente: uma metamorfose ambulante.
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