Ciclos da Terra e da Alma

Coluna de IRIS LICAN GARCIA

2 MIN DE LEITURA | Revista 37

Celebrar o Grão e o Pão

Os dias são longos, as noites quentes e já sentimos na Terra não só o calor que ampara e alenta, mas aquele que, depois de amadurecer o fruto, o faz fermentar.

Em breve, celebramos o festival céltico do Pão: Lughnasad (a festa do Sol) ou Lammas, em Portugal assinalando a noite do Bom Caminho.

Trata-se de saber honrar o ano que decresce depois do pico do Solstício e de, aproveitar com humildade, dedicação e reverência, as noites curtas e quentes para praticar o caminhar na escuridão que será a prática do Outono e do Inverno que hão-de vir.

É tempo de colheitas, de saber conservar alimentos para a estação fria, celebrar com os próximos em mesas fartas, deixar à Terra e aos animais a parte necessária à renovação do solo e ao alimento.

É um tempo de grande riqueza e portanto, necessariamente, de labor, transformação e reflexão.

É que somos feitos de Terra, Sal e Sangue. E todos conversam com os elementos matriz porque somos parte intrínseca da Natureza maior.

Podia ser um dia como outro qualquer, em que a azáfama humana nos retira da presença que sente e escuta o tempo da Natureza: lento, longo, cíclico, contínuo e progressivo. Esse tempo que não é e nunca foi linear, que não tem métrica fixa e que é incontrolável porque é o fluxo da Vida que através da morte, decomposição, pousio, germinação, florescimento, frutificação, amadurecimento e nova fermentação acontece e se preserva em equilíbrio.

No solo como na Alma.

Creio que a cada dia honro a importância vital da Morte, essa força mais fecunda de todas sem a qual não há fertilidade nem esperança de renovação.

Os nossos mausoléus fúnebres são estruturas mentais aprisionantes: o corpo morto quer-se terra e chão, o osso à pedra, o sangue à seiva, a carne ao pó fértil e ao serviço de ser alimento de raízes e animais depois de tanto nos termos alimentado em vida. É o justo.

O corpo é o pão da Terra, com ele agradecemos o pão que a Terra nos doou em vida.

É de uma beleza tão tamanha e tão intricada no ser parte de tudo e tudo ser parte de nós, sem separação de corpo e espírito, mas antes numa integração indissolúvel que nos redime, nos devolve ao senso de ser. 

Falamos muito de propósito: enquanto o propósito de existir não fôr, em consciência, cuidar a Terra em vida e tornar-se Terra na morte seremos talvez apenas escravos de ilusões de uma imortalidade estéril.

Prefiro que se apague a memória de quem sou, nasci para ser maior do que apenas eu.

Que a Terra me lembre sempre aquilo de que me esqueço: o essencial à continuidade da vida no todo que é a doação da minha própria vida na corporalidade consciente.

Ponha-se a mesa, celebre-se o pão amassado e o grão que á terra volta a cair.

A foice traz a colheita que é a morte que nos alimenta e dá vigor.

A água mistura-se com o grão peneirado, as mãos dão forma, o mar vem juntar-se como pedaço de mar.

Somos feitos de Terra, Sal e Sangue.

O corpo volta à Terra, a Alma é devolvida ao poente tal qual o sol se deita no mar para se renovar no sonho, o sangue é o rio que corre dos nossos descendentes, através de nós, aos nossos ancestrais.

Abençoado seja o Caminho, o Bom caminho do Chão Coração.

Podia ser um dia como outro qualquer, em que a azáfama humana nos retira da presença que sente e escuta o tempo da Natureza: lento, longo, cíclico, contínuo e progressivo. Esse tempo que não é e nunca foi linear, que não tem métrica fixa e que é incontrolável porque é o fluxo da Vida que através da morte, decomposição, pousio, germinação, florescimento, frutificação, amadurecimento e nova fermentação acontece e se preserva em equilíbrio.

Íris Garcia

Íris Garcia

Colunista e Autora regular da Revista

Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única,  em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.

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Reflexões vivas sobre Terra Corpo como Medicina: eco-filosofia, eco-mitologia, espiritualidade da Terra, herbalismo, movimento, arte e terapia eco-somáticos.