artigo de cláudia rodrigues

O Velho e a Rocha

5 MIN DE LEITURA | Revista 33

Para uma reflexão EcoExistencial em três momentos

3ª parte:

A simultaneidade de tempos:
Na procura da essência da sabedoria da vida: Síntese ou Totalidade. 

Emerge a necessidade de resgatar a sabedoria da Rocha, tal como do Ancião e da Anciã, os nossos veneráveis Velhos, aqueles que transportam o conhecimento dos mistérios da vida silenciosa, da transcendência do tempo e do espaço, e que nos ensinam sobre a natureza dos corpos terrenos, das suas estruturas e limites, simultaneamente. Emerge a necessidade de resgatar a sabedoria da Rocha que é a mesma que a sabedora do Velho no seu eidos, ou seja, na essência que caracteriza a natureza da vida, sábia. Emerge a necessidade de lembrar a importância da aceitação do paradoxo e da co-existência dos aparentemente opostos (como vida e morte, ou corpo e alma), da diferença radical, do outro totalmente Outro e do infinito que nele contém. 

É através do Velho, que resgatamos a nossa espinha dorsal, que nos ergue entre a terra e o céu, as nossas mãos cuidadoras, e os nossos pés que caminham rumo ao futuro, o consílio dos extremos. Só o Velho sábio nos poderá guiar, tal como a Rocha nos revela o caminho, a direcção, ou o abrigo. Do mesmo modo que o faz o Velho sábio, a Rocha saberá mostrar-nos as pontes mais sólidas, onde poderemos edificar as nossas relações mais sábias.

O Velho sábio é o feiticeiro, o mago, e o professor. É aquele que consolidou as suas aprendizagens no aconchego da sua solidão, transformando-as em sabedoria. O velho sábio renunciou á busca pelos prazeres efémeros das flores da Primavera, e fez das geadas do Inverno o seu palácio de cristal. Igualmente efémero, porque sabe que ser Natureza é aceitar o seu movimento perpetuamente cíclico, porém, um palácio de cristal é o centro da sua existência, o seu lugar sagrado, edificado nos momentos em que as suas mãos rachavam de frio e a sua alma via mais além, além do tempo, do silêncio, e do vazio.

A Velha Sábia é igualmente feiticeira, maga, e professora. Juntos representam a unidade perfeita. São lugares de sabedoria que vamos conhecendo com o tempo, e que habitam nas nossas experiências humanas mais sublimes. São o depuramento ideal do que nos constitui seres humanos, mas sobretudo expressão da sabedoria da vida e sua renovação infinita. Se a força do Velho se deu na solidão invernal, a força da Velha dá-se no abrigo que soube transformar em calor e aconchego, onde ela cura as suas feridas, onde recupera forças no seu descanso, e onde aprofunda os seus conhecimentos noites adentro à luz do fogo contido que aquece e transforma todos os alimentos. É aqui o epicentro da vida, onde todas as coisas começam e acabam, onde as transformações acontecem ligadas às forças do centro da terra, onde ganham formas novas e criativas, e por isso é de onde toda a luz se irradia para o mundo.

Tal como a Rocha, tanto o Velho como a Velha conquistam a sua sabedoria caminhando na roda do tempo, a partir do seu centro sagrado e das ligações que souberam criar entre compromissos sagrados, éticos e est-éticos: porque toda a ética é uma estética. Num ir e vir que lembra a mão da tecedeira, ou da costureira, os tempos tecem o espaço, o espaço torna-se corpo, e o corpo permite-se ser alma, espírito e vida. O seu lugar ermita de recolhimento, silêncio, e mistério, longe das indisponíveis modernidades ansiosas, é o que lhes permite o foco essencial a este processo, que, tal como na gloriosa Rocha erguida, lhes dará mais tarde ou mais cedo a visão de perspectiva da águia que vislumbra e antecipa o futuro que virá, assim como a melhor direcção a seguir.

Há, porém, que referir que a Rocha, tal como o Velho, são em simultâneo, e paradoxalmente, ainda símbolos de despojamento, simplicidade, e humildade. Ambos se despem das roupagens da ilusão mundana, e se mostram rugosos ou ásperos na sua nudez, e é nesse despojamento que surgem as habilidades do professor e da professora que partilha o seu conhecimento com generosidade. É nesta última fase da jornada humana terrestre que deverá surgir a vontade de se partilhar e de distribuir os seus valores por quem deles for merecedor e necessitado. No fim dos tempos, surgem todos os tempos anteriormente vividos, agora transformados em presente. Porque além de passado há a visão do porvir, do projecto, e do sonho, e só o Velho – como a Rocha – tem a capacidade de viver com mestria a alquimia dos tempos e transformá-los em Presente. Porque só o Velho tem tempo para se questionar, e tem a respectiva ousadia para se colocar em perspectiva, e para aceitar as possibilidades de mudança. Porque só o Velho pode acertar que o fim nunca será o fim, e que em cada fim está contido o seu começo. E em cada começo, está um ponto de interrogação. Assim como em cada fim…

Por isso a questão é o meio mais eficaz para a Criação, e para o nascimento (e conclusão) de uma obra, quer seja uma obra de arte, um poema, ou uma vida. Por isso, questionemo-nos, muito, tanto quanto formos capazes de suportar a inquietude das respostas, ou a ausência delas.

Questionemo-nos: O que de nós é simultaneamente o venerável Velho e a digna e sólida Rocha? O que de nós é tanto humano quanto mais-que-humano? Estaremos, nós enquanto humanidade, preparad@s para aceitar essa dimensão da existência que nos devolve à consciência de que somos Natureza indomável, Vida em movimento, mistério, silêncio, e transcendência? E como poderemos dar-nos a essa consciência que nos devolve às nossas raízes, aquelas que nos conectam à vida primordial e ao organismo vivo que é o nosso planeta?

Sobretudo, questionemo-nos: Estaremos nós, humanos, realmente preparados para aceitarmos a nossa natureza rochosa, silenciosa e co-dependente de uma linhagem de aglomerados incontáveis? Como seriamos nós, e o nosso mundo de relações, se escutássemos em nós a nossa dimensão que nos permite ser realmente Velhas/ Velhos e realmente Rochosas/ Rochosos?O quanto de nós seria capaz de ser realmente a simultaneidade de tempos que é o tempo presente?

Questionemo-nos. Pois da ausência nascerá a presença do que é inteiro, e o vislumbre da faísca do que é ser Sabedoria, Síntese, e Totalidade.

Bibliografia:

  • Bubber, M. (2010). I and thou. London: Continuum.
  • Heidegger, M. (2006). Ser e tempo. (M. S. Schuback, Trad.). Petrópolis: Vozes.
  • Husserl, E. (2001). Meditações cartesianas. Porto: Rés.
  • Levinas, E. (1988). Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70.
  • Lovelock, J. (2006). A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca.
  • Ribeiro & Carvalho (2012). A era da técnica e a catástrofe ecológica sob a perspectiva de Martin Heidegger. Revista IGT na rede, V.9, nr16. In: http:// www.igt.psc.br/ojs/ISSN1807-2526.
  • Santos, B. S. (1987). Um discurso sobre as ciências (11ª ed.). Porto: Edições Afrontamento.

Questionemo-nos: O que de nós é simultaneamente o venerável Velho e a digna e sólida Rocha? O que de nós é tanto humano quanto mais-que-humano? Estaremos, nós enquanto humanidade, preparad@s para aceitar essa dimensão da existência que nos devolve à consciência de que somos Natureza indomável, Vida em movimento, mistério, silêncio, e transcendência? E como poderemos dar-nos a essa consciência que nos devolve às nossas raízes, aquelas que nos conectam à vida primordial e ao organismo vivo que é o nosso planeta?

Cláudia Rodrigues

Cláudia Rodrigues

Directora e fundadora do projecto Alma Gaia Psicoterapia, Natureza e Comunidade

Psicóloga Clínica e da Saúde
Psicoterapeuta Existencial
Focusing Trainer
Fundadora do Grupo de Trabalho Ecopsicologia Portugal
Candidata a representante da Escola Portuguesa de Ecopsicologia da International Ecopsychology Society
Intagram @alma_gaia_psicoterapianatureza

O Caminho do Javali

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Na Biovilla Sustentatibilidade, Palmela/Serra da Arrábida.
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O Caminho da Javalina

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(A decorrer período de inscrições)

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