artigo de Raquel Berndt

Arte e Rios

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4 MIN DE LEITURA | Revista 57

Desafiando a visão ocidental tradicional que separa os seres humanos da natureza, Ailton Krenak enfatiza que somos parte integrante dela. Ele instiga o reconhecimento da interconexão de todas as formas de vida e o entendimento de que nossas ações têm impactos diretos no meio ambiente. Uýra, como artista indígena e alinhada com esse pensamento, nos convida a reconhecer nossa capacidade de coexistir com o mundo natural, a agir em harmonia com ele e a ser parte integrante deste contexto ecológico. Da mesma forma como a “Árvore que Anda” se move e se adapta, os seres humanos também podem evoluir para uma compreensão mais profunda de nossa conexão com o ambiente natural e com todas as formas de vida, se rebelando e repensando o cenário atual.

RIOS INVISÍVEIS

Nossas cidades foram construídas em cima de florestas desmatadas, rios e córregos. Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, por exemplo, foi construída em cima de uma bacia hidrográfica enorme. A artista visual Isabela Prado, com seu projeto “Entre Rios e Ruas”, denuncia esse fato esquecido por muitos. Vivendo em cima de córregos canalizados, só lembramos destes quando a cidade inunda. A falta de planejamento urbano e de desenvolvimento sustentável faz com que os 700 quilômetros de córregos e ribeirões da cidade sejam desconhecidos por grande parte dos moradores.

Andando pelas ruas do centro de Belo Horizonte percebe-se, dentro do perímetro da Avenida do Contorno, placas brancas com escritos em azul que sinalizam que naquele local está passando um córrego canalizado, identificando seu nome e a bacia hidrográfica a qual pertence (ver Figura 4). Essas placas, apesar de terem se tornado cotidianas para muitos, foram inseridas na cidade no ano de 2020 e são uma intervenção permanente da artista. A intervenção “Sobre o rio” é composta por 230 placas inseridas juntas às placas tradicionais que sinalizam os nomes das ruas pela cidade e sinalizam os córregos que percorrem a cidade por debaixo do asfalto, sendo perceptíveis apenas para os mais atentos, que escutam seus ruídos pelas grades metálicas no asfalto.

Figura 4 – Placa pertencente a intervenção “Sobre o rio”. Foto: Reprodução – Entre Rios e Ruas
Foto disponível em: <https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/projeto-entre-rios-e-ruas-que- integrou-a-mostra-universidade-cidade-desagua-em-publicacao-nomeada-sobre-o-rio/>

“Entre Rios e Ruas quer tornar novamente visíveis os rios que correm sob a cidade, que estão vivos, que se alteram com as estações do ano, na cheia, na seca. E ao explicitar o traçado desses córregos na malha urbana, repensar nossa relação com o que está à nossa volta” (PRADO, 2013. pg 305).

Entre Rios e Ruas é um projeto que transcorre em diferentes espaços e mídias artísticas, refletindo entre as relações entre meio ambiente, cidade e indivíduo. Reconhecendo os rios como parte da paisagem belo-horizontina, a artista explora formas de evidenciar a presença fluvial invisível na cidade. Em relato a artista comenta: “o rio desapareceu da paisagem – embora de fato continuasse lá, como poeira embaixo do tapete” (PRADO, 2013, p. 300). Professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Isabela Prado, por meio de seu trabalho artístico, acabou criando uma metodologia para conscientização sobre o desaparecimento dos rios dentro da cidade. Levando suas obras para as ruas centrais da cidade, a artista consegue não só trazer visibilidade para um ponto em específico, mas despertar o interesse e a curiosidade sobre córregos que compõem as bacias hidrográficas da região. Evidenciando a relação histórica de belo horizonte e seus córregos, percebemos como o crescimento urbano vai consumindo os elementos naturais da paisagem e transformando a cidade em um local bruto para o desenvolvimento harmônico entre ser e crescer.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As obras analisadas são de diferentes plasticidades, mas compartilham um mesmo ponto em comum. Todas denunciam de alguma forma a relação desarmônica entre o crescimento dos centros urbanos sobre a floresta e a natureza em geral. Os artistas, de formas diferentes, abordam esse tema. Contextualizando o início dessa relação, o filme WolfWalkers alerta o público sobre a história esquecida e o preço pago para o desenvolvimento dos centros urbanos. Já em suas foto-performances, Uýra denuncia o impacto da sociedade capitalista sobre a natureza que sobrevive na escória urbana. Isabela Prado, por sua vez, evidencia a relação de poder estabelecida desde o planejamento urbano entre o ser humano e os cursos naturais dos córregos e rios de Belo Horizonte, que foram enterrados e canalizados para dar espaço para o asfalto.

Através da análise dessas obras, percebe-se a importância da conscientização sobre o espaço em que vivemos e como o habitamos. O crescimento das cidades não pode mais ser dissociado do cuidado com o meio ambiente. As narrativas e intervenções artísticas aqui analisadas nos convidam a reconhecer essa interdependência e a agir de maneira mais consciente e responsável em relação ao ambiente que nos cerca.

 

REFERÊNCIAS

  • BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
  • KRENAK, Ailton, Ecologia Política, Ethnoscientia, v. 3, n. 2, 2018.
  • NODARI, Alexandre. Limitar o Limite: modos de subsistência. ILHA, v. 21, n. 1, p. 68–72, 2019. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/download/2175-8034.2019v21n1p68/40975/236146>. Acesso em: 16 out. 2023.
  • MORTON, Timothy. O pensamento ecológico. São Paulo: Quina Editora, 2023.
  • PRADO, I. (IN)Visível sob a cidade: o projeto entre rios e ruas. Belo Horizonte, Rev. UFMG, v.20, n.1, p.298-305, jan./jun. 2013.
  • PONTES, Emerson, O que fazer após o fim? Recriar-se, in: Teatro e os Povos Indígenas Janelas Abertas Para a Possibilidade, [s.l.]: n-1 edições, 2022, p. 220.
  • UÝRA. Prêmio PIPA. Disponível em: <https://www.premiopipa.com/uyra/>. Acesso em: 16 out. 2023.
  • WOLFWALKERS; Direção: Tomm Moore, Ross Stewart. Produção: Cartoon Saloon, Mélusine. Ireland: Wildcard 2020. Digital (103 min.).

Para citar este artigo:

BERNDT, Raquel. Arte e Rios, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-57/arte-e-rios-parte2/, número 57, 2025

Através da análise dessas obras, percebe-se a importância da conscientização sobre o espaço em que vivemos e como o habitamos. O crescimento das cidades não pode mais ser dissociado do cuidado com o meio ambiente. As narrativas e intervenções artísticas aqui analisadas nos convidam a reconhecer essa interdependência e a agir de maneira mais consciente e responsável em relação ao ambiente que nos cerca.

Raquel Berndt

Raquel Berndt

Raquel Berndt, é arte educadora, graduanda em Artes Visuais na Escola de Design da UEMG. Como artista busca experimentar diferentes mídias e técnicas artísticas, produzindo desde desenho, gravuras, pinturas, esculturas e animações. No âmbito acadêmico participa do grupo de estudo em fotografia e cidade Paralaxe, é bolsista de iniciação científica na área de movimentos animados e integra o projeto de extensão Tiras Animadas. Durante a graduação focalizou sua pesquisa em arte, memória, sustentabilidade, representação feminina e educação antisexista.

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