O Cântico dos Cânticos

Coluna de Amala Oliveira

3 MIN DE LEITURA | Revista 57

A Promessa Do Fogo Verde 

 

Hoje fui buscar inspiração ao mar, conselhos à praia e ao vento frio. Recolhi penas bonitas que agradeci aos bichos e uma pedra que segredou ao meu ouvido a vontade de me conhecer o coração.

Iemanjá saudou-me com um manto de cor safira conjugado na perfeição com o cinzento do céu. Parece-me que a Senhora Deusa se veste sempre em haute couture, sejam quais sejam as facetas divinas que nos apresenta.

Honrei a areia com um discreto beijo à distância. Afinal, estava acompanhada por uma amiga e estes namoros com a Natureza são coisas muito íntimas e há que manter a discrição. Também para que não me considerem louca varrida.

É no início de Fevereiro que nasce da terra uma força indómita que teima em pintar o mundo de verde esperança. A beleza dos dias frios e nublados contrasta com o burburinho gentil que se ouve na crosta da terra e me freme no ventre, como ressonâncias quentes de uma fagulha pequenina prestes a brotar fogo vivo. O tempo de Imbolc, a purificação da Candelária e a chama da Senhora das Candeias.

Longe de casa, improviso um altar para comunicar com o Além. As vozes estão muito nítidas, aos gritos até, e preciso de afinar o canal, conjurando um ritual. Pedra, vela, penas, incenso e água. Nestas alturas de transição-portal são muitas as tarefas a cumprir e preparo-me para a comunicação possível.

Invoco a Grande Mãe Deusa e evoco os elementos, um por um, traçando os seus símbolos na mente e no ventre como se escrevesse num grimório. Vejo a teia a ser criada, fio por fio de mil cores impossíveis de descrever, um ecrã de energia que surge algures num espaço sem forma e sem tempo.

Descubro o fogo de Brigid ateado nas minhas mãos e sorrio em gratidão, sabendo que este é por excelência o seu tempo de celebração. Com reverência e humildade, inicio a tradução.

Brígida fala-me ao coração, incitando-me à comunhão. Devagar, como varas de junco que se dobram, vou-me moldando, transformando-me na sua cruz mágica, mãos, braços e pernas a alongar-se em ângulos impossíveis, corpo tear tecedor. Recorro ao vazio para mergulhar mais fundo na visão.

São muitas as perguntas, mais do que as respostas. Como amar em tempo de guerra? Como evocar a inocência e a regeneração feminina de um mundo à beira do colapso? Que contribuição posso ter neste viver alucinado de conflitos mundiais, líderes delirantes, agendas escondidas e ilusões ardilosas?

Guia-me Senhora minha, Senhora dos fogos da forja e da cura, musa da poesia e das habilidades manuais. Guia o meu coração e guia a minha clarividência.

Como num sonho, imagens sem sentido vêm e vão, umas demorando-se mais do que outras, até que por fim emerge um rumo, um significado.

Peregrinação, dizem-me. Reconciliação, instam-me. A reposição do equilíbrio, exortam-me. Sequências de figuras, de passos e símbolos vagueiam à minha volta como pássaros de fogo desabridos que, de alguma estranha forma, me comunicam um sentido, como as acrobacias sincronizadas de um bando de estorninhos.

O tempo pára e sinto-me a flutuar, levitar talvez. Respiro fundo uma e outra vez para me assegurar de que o coração físico ainda bate.

Recolho os fragmentos preciosos da inspiração divina e fecho o ritual. Como se despertasse de um sono profundo, dou-me conta das pequenas dores, aqui e além, fruto da posição do corpo. Por quanto tempo estive em transe afinal?

A vela está quase gasta e é com lágrimas nos olhos que observo a chama, agora com outra significação. Do meu peito a gratidão transborda em borbotões bonitos.

É hora de visitar as relíquias de Santa Brígida na Igreja de São João Baptista no Lumiar e ter uma conversa com os três cavaleiros Ibernios que repousam na Sua capela. Estão adormecidos há demasiado tempo, numa letargia impaciente.

Lá fora desponta um sol glorioso, um fogo quente nos céus que ilumina os dias de chuva e nos lembra a promessa da verde regeneração.

De esperança revigorada, faço um juramento secreto em louvor à Vida.
Que assim se faça, que assim aconteça.

Para citar este artigo:

OLIVEIRA, Amala. A Promessa Do Fogo Verde. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-57/a-promessa-do-fogo-verde/, número 57, 2025

Guia-me Senhora minha, Senhora dos fogos da forja e da cura, musa da poesia e das habilidades manuais. Guia o meu coração e guia a minha clarividência.

Como num sonho, imagens sem sentido vêm e vão, umas demorando-se mais do que outras, até que por fim emerge um rumo, um significado.

Amala Oliveira

Amala Oliveira

Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator

Sou Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator, pioneira da Sexualidade Sagrada em Portugal, vivendo-a e partilhando-a como um caminho de devoção, cura e revelação.
Investigo o Paganismo e Xamanismo Ibéricos, tendo sido iniciada na Bruxaria Tradicional Portuguesa pela minha mãe. Sou Buscadora de Visão, Temazcalera e Guardiã de Fogo Sagrado pela linhagem da Abuela Margarita.
Herbalista aprendiz do mestre alquimista Juan Plantas nas plantas mágicas e medicinais da Península Ibérica, sou a fundadora do projecto SAGRAR e autora do Oráculo dos Animais da Península Ibérica.