O Canto do Verbo

Coluna de Ana Alpande

1 MIN DE LEITURA | Revista 56

Como um raio de sol que aquece longe

Trancámos o Génio numa caixa de ferro,

blindada.

 

Ficou nu ao frio e fome,

sozinho

exilado

confinado

aparentemente fechado.

 

Carregamos a caixa cansados

eu e o pequeno gigante,

com medo.

 

O cansaço de ter de alimentar o fogo,

um fogo que nunca foi nosso para alimentar.

 

– Se o soltares vai consumir-te.

(diz o pequeno lobo, disfarçado de gigante carnívoro)

 

O Génio não é uma criatura comum,

destas que precisa de pão e batatas fritas

|digo por fim|

rasgo de lucidez

raio de luz clara

que aquece o centro da minha testa.

 

Esta parte cansada e esgotada

dentro de mim,

acredita que libertar o Génio

é ter mais uma boca para comer,

mais um corpo para vestir.

 

Não se alimenta um Génio, o Génio é que nos alimenta – diz o centro da testa.

 

Fala o Sol:

– Génios presos em caixas-fortes não trazerem luz para dentro das vísceras,

o que não apoia o peristaltismo.

Quando uma víscera não mexe, o raio não viaja fundo

|digo|

não irradia, não contorna, não suporta, não vivifica

nem protege.

 

A caixa-forte é miragem

jogo de espelhos,

esconde a pele fina e tenra do bicho

que mal aprendeu a andar.

 

O bicho acha que o Génio vai roubar-lhe a atenção,

o bicho não sabe que é o Génio que o alimenta.

 

Por isso é pequeno e mirrado

sempre com fome,

sempre cansado.

 

Soltam-se o bicho e o Génio, juntos na folha de papel.

Palavras soltam-se ao vento

soltam raios de calor

que viajam na luz do vento.

 

Não voltem a trancar o Génio,

não confundir o fogo da inspiração com o das batatas fritas e refrigerantes.

Para citar este artigo:

ALPANDE, Ana. O Vício da Excepcionalidade. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revista-54/o-vicio-da-excepcionalidade/, número 54, 2024

Soltam-se o bicho e o Génio, juntos na folha de papel.

Palavras soltam-se ao vento

soltam raios de calor

que viajam na luz do vento.

Ana Alpande

Ana Alpande

Colunista e Autora regular da Revista

Terapeuta de Trauma, Artista, Astróloga, Contadora de Histórias

A minha missão é dizer não ao desperdício da beleza e procurar contribuir para uma estética que promova a criação de espaços quotidianos que fertilizem o território da Alma.

Actuo como educadora, terapeuta de trauma e facilitadora de grupos terapêuticos de expressão artística e co-regulação emocional.

O principal foco de estudo e reflexão de momento é o trauma individual, transgeracional e colectivo, tendo como pano de fundo a questão do vínculo, nas suas variadas afetações e expressões.

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