Onde mora o coração, histórias e paisagens
Coluna de Ana Sevinate
1 MIN DE LEITURA | Revista 53
Sobre a delicadeza e a metamorfose
A vida é delicada. Sim, por alguma razão, a “delicadeza” parece-me vestir melhor a natureza da vida. A “fragilidade”, nem tanto. Enquanto que a fragilidade parece pedir para termos cuidado, com a vida, a delicadeza parece pedir para cuidarmos. Da vida. E em vez de andarmos com pés de lã, cautelosos, para não amachucar, a vida, pisamos com a firmeza, cuidada de quem deseja. A vida.
A delicadeza pede para nos aproximarmos devagarzinho. A fragilidade pede para chegarmos de pé atrás. Movida pela noção de fragilidade, recuo, lamento, vitimizo-me, magoo, desconfio, confundo-me, esqueço-me, hesito, encolho-me. Movida e comovida pela noção de delicadeza, rego, alimento, amo, acredito, danço, corto, remendo, acolho, reclamo.
E depois a metamorfose. Porque também a pele da lagarta e as asas da borboleta são delicadas. Porque se fossem frágeis, encolhiam-se e confundiam-se na hesitação. Mas não. Amam e reclamam o corte. O corte de quem, às escuras, acolhe o que dói e se entrega. E por vezes rasgam. Mas não lamentam. Por vezes remendam. A vida. Mas não recuam. Perante a morte.
E depois a metamorfose. Porque também a pele da flor e o rebento são delicados. Porque se fossem frágeis, esqueciam-se daquilo que, vertiginosamente, os empurra. Para a vida. Mas não. Dançam em direção à água que o céu ou alguém deitou. E por vezes interrompem. Mas não lamentam. Por vezes desejam ter florido um dia. Na vida. Mas não recuam. Perante a morte.
E depois a metamorfose. Porque também a pele e a alma humanas são delicadas. Porque se fossem frágeis não arriscavam nascer num mundo que magoa, que esquece e que hesita. Porque se fossem frágeis não acreditariam que para além da mágoa, do esquecimento e da hesitação, existe a maturidade. A da metamorfose, que rompe a pele para a refazer. Que vive na delicadeza da pele das asas e da pele da flor. Quando também nós nos lançamos, e confiamos, no espaço escuro da incerteza.
Para citar este artigo:
SEVINATE, Ana. Sobre a delicadeza e a metamorfose. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-53/sobre-a-delicadeza-e-a-metamorfose/, número 53, 2024
E depois a metamorfose. Porque também a pele e a alma humanas são delicadas. Porque se fossem frágeis não arriscavam nascer num mundo que magoa, que esquece e que hesita. Porque se fossem frágeis não acreditariam que para além da mágoa, do esquecimento e da hesitação, existe a maturidade. A da metamorfose, que rompe a pele para a refazer. Que vive na delicadeza da pele das asas e da pele da flor. Quando também nós nos lançamos, e confiamos, no espaço escuro da incerteza.
Ana Sevinate
Psicóloga clínica e psicoterapeuta
Pós-graduada em psicossíntese e em cuidados paliativos. Membro do grupo de trabalho Ecopsicologia Portugal e co-fundadora do projeto Histórias de Raiz. Formadora no curso de doulas de fim da vida.
Autora do livro Ser Terra: o abraço da Psicologia à natureza, publicado pela Chiado. Tecida por histórias, danças nas pontas dos pés, cores, papoilas aos molhos e folhas de tília.
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