O Cântico dos Cânticos

Coluna de Amala Oliveira

3 MIN DE LEITURA | Revista 53

O Vôo Mágico
e a Profecia de Si

 

A montanha move-se e fala na linguagem da Terra, acompanhando-nos no nosso grito-gemido-oração. No instante da revelação pasmamos perante a profecia descoberta. A profecia de SI, o que viemos fazer a esta vida, a canção mística de cada ser. A verdade aflora neste precioso momento de Presença.

Como a imagem fractal de um cristal partido, vemo-nos em múltiplas peças de encaixes possíveis e inverosímeis. A profecia nunca é directa, linear ou de apreensão racional – valha-nos Deuses que isto de se descobrir a si não é fácil – mas o entendimento que se opera e desdobra nos mil filamentos de luz e cor que encontramos traz o milagre da epifania.
Dentro e fora, fora e dentro. O início da espiral, o movimento completo e o fim dela.

A constatação da mesma raíz matriz de TUDO e as possibilidades de criação (aparentemente) absoluta carrega consigo um sentimento de responsabilidade imenso com peso quase insuportável. Como assim É tudo EU?

As ninfas verdes, quais moiras do destino, elevam-nos em mais uma laçada medicinal. Arquejamos perante o maravilhamento das estruturas de ossos anciãos que sustentam as máscaras e os demónios no nosso próprio corpo, como gárgulas de um templo mítico numa floresta esquecida.

O tambor segue firme na passada, as canções desdobram-se em tons impossíveis que estilhaçam um espelho mais, um novo portal que se abre, uma janela escancarada para uma grandiosa paisagem interior.

Sei o quão doloroso é vermo-nos na radiação brilhante do paraíso. Mais pungente do que conhecer os nossos monstros de estimação que, com tempo e carinho aprendemos a domar. A visão iluminada de Nós-Mundo dói muito no coração, ao chocar como uma Titã com a realidade costumeira do dia a dia, com a pessoa que nos ensinaram a ser.

A profecia é vidente mas nunca evidente. Mostra destinos e sortes possíveis mas não mostra as coordenadas da viagem. Como encontrar a bússola no meio do caos?

A ninfa vermelha segreda-me um símbolo, invoco a voz de fogo e vento e movo uma maré de sons articulados que não reconheço do meu repertório. Agradeço a magia e sustenho a ressonância para que a claridade chegue ao coração de toda a minha gente.

As plantas mestras abrem caminho e visão, levantando consciência e limpando escolhos. Assim como o jejum, a privação sensorial ou a oração dançada com flor e poesia. Maravilhosas tecnologias ancestrais, como dizia a querida mestra Abuela Margarita.

Cada uma tem o seu espírito particular, talentos e expressão medicinal específica, de tsunamis catárticos a doces suspensões de existir.
Honro-as e respeito-as a todas muitíssimo. Sei dos espíritos antigos que as habitam e das redes multidimensionais sensíveis que sustentam. Haja humildade para as receber, rendição para as ouvir.

Há porém um Ente da minha predileção. De capa vermelha com bolinhas brancas, espírito travesso e contemplação profunda. Não gosta de tambor, prefere as liras, os cânticos de pendor élfico e campainhas finas. E silêncio, o glorioso e ensurdecedor silêncio do bosque.
São muito antigas as ninfas deste Ente. Tão antigas que não se mostram à gente. Temos de cavalgar o brilhante escuro com a força dos próprios pensamentos e a guiança da respiração até que nos abram as portas.

Como a Alice, descemos aos confins da Terra negra para nos vermos pequeninos na nossa mais perversa pequenice – e todos os esquemas manhosos que continuamente usamos para julgar, castrar, moer sem alimentar nada de frutuoso para nós ou para o mundo, numa vivência da realidade baseada numa sofisticada intelectualidade sem pé no chão.
A erudita, consumista e vã existência. Ou sobrevivência.

Como uma corda esticada no limite do arco, numa tensão ensurdecedora, catapultam-nos para uma agigantação do EU. Outra vez o eu. E outra vez. E outra vez. Até que por fim, na exaustão de SI, nos diluímos (finalmente) nas vibrações ancestrais que nos dão colo, cuidado e entendimento.

E recebemos a Profecia. A magia reverbera em ecos e texturas coloridas que nos envolvem num manto quente e ancião.

A percepção da transcendência dos limites da realidade mundana pode ser assustadora. E muito bela também.
As senhoras ninfas Amanitas guiam-nos magistralmente e tanto nos podem dar respostas às questões existenciais, como deixar-nos com ainda mais perguntas.

Ajeito o fogo, ofereço água, acomodo espantos. Limpo suores e seivas, abraço desamparos e auxilio as minhas irmãs sustentadoras – na profunda reverência e reconhecimento de quem se dá em Serviço.

Os primeiros raios de sol despontam a chamar-nos do voo mágico, sem tempo nem espaço, para o regresso ao tempo dos relógios, contado segundo a segundo, na prepotente pauta humana.
A águia voa sobre nós a finalizar a cerimónia. Agradeço às Velhas Magas que me dão suporte, proteção e inspiração numa oração íntima só minha.

É hora de regressar ao lugar do sono, do sonho. Ao que há quem chame a realidade do dia a dia.

Quem será que se atreverá a caminhar a Profecia de Si?

Para citar este artigo:

OLIVEIRA, Amala. O Vôo Mágico e a Profecia de Si. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-53/o-voo-magico-e-a-profecia-de-si/, número 53, 2024

Os primeiros raios de sol despontam a chamar-nos do voo mágico, sem tempo nem espaço, para o regresso ao tempo dos relógios, contado segundo a segundo, na prepotente pauta humana.
A águia voa sobre nós a finalizar a cerimónia. Agradeço às Velhas Magas que me dão suporte, proteção e inspiração numa oração íntima só minha.

Amala Oliveira

Amala Oliveira

Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator

Sou Sacerdotisa e Erotisa, Sexological Bodyworker e Sacred Sex Educator, pioneira da Sexualidade Sagrada em Portugal, vivendo-a e partilhando-a como um caminho de devoção, cura e revelação.
Investigo o Paganismo e Xamanismo Ibéricos, tendo sido iniciada na Bruxaria Tradicional Portuguesa pela minha mãe. Sou Buscadora de Visão, Temazcalera e Guardiã de Fogo Sagrado pela linhagem da Abuela Margarita.
Herbalista aprendiz do mestre alquimista Juan Plantas nas plantas mágicas e medicinais da Península Ibérica, sou a fundadora do projecto SAGRAR e autora do Oráculo dos Animais da Península Ibérica.