Ecoespiritualidade

Coluna de Jorge Moreira

3 MIN DE LEITURA | Revista 53

O (Re)Nascer da Terra

 

{Parte I} Parte II

 

As diferenças entre os terrestres esbatem-se perante a realidade vista de fora da Terra e da imensidão do Espaço. Esta realidade está bem ilustrada n’O Ponto Azul-Claro (Pale Blue Dot) de Carl Sagan. Trata-se da reflexão sobre uma foto da Terra, tirada a pedido de Sagan pela Voyager 1, em 1990, quando esta sonda estava a deixar o Sistema Solar. A Terra aparece nesta imagem com um ponto azul-claro. Sagan utilizou essa imagem para enfatizar a pequenez da Terra no vasto universo e para promover uma perspetiva de unidade e responsabilidade planetária:

“Observe o ponto uma vez mais. É aqui. É a nossa casa. Somos nós. Nele vivem ou viveram todas as pessoas que ama, todas as pessoas que conhece, todas as pessoas de que ouviu falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram.
A conjunção da nossa alegria e do nosso sofrimento, milhares de religiões confiantes, ideologias e doutrinas económicas, todos os caçadores e recolectores, todos os heróis e cobardes, todos os criadores e destruidores da civilização, todos os reis e camponeses, todos os jovens casais apaixonados, todas as mães e pais, crianças esperançadas, inventores e exploradores, todos os professores de moral, todos os políticos corruptos, todas as «superestrelas», todos os «líderes supremos», todos os santos e pecadores da história da nossa espécie viveram lá – numa partícula de poeira suspensa num raio solar.
A Terra é um palco muito diminuto na vasta arena cósmica. Pensemos nos rios de sangue vertidos por todos aqueles generais e imperadores para que, em glória e triunfo, pudessem ser momentaneamente os senhores de uma fracção de um ponto. Pensemos nas crueldades intermináveis infligidas aos habitantes de um dos cantos do pixel pelos dificilmente discerníveis habitantes de outro canto, na frequência dos seus desentendimentos, na ânsia de se matarem uns aos outros, no fervor dos seus ódios.
A nossa posição, a nossa suposta auto-importância, a ilusão de que ocupamos um lugar privilegiado no Universo são desafiadas por este ponto de luz clara. O nosso planeta é uma partícula solitária numa imensa escuridão cósmica envolvente. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há nenhum indício de que venha a surgir alguma ajuda do exterior para nos salvar de nós próprios.
A Terra é o único mundo conhecido até agora onde existe vida. Não há nenhum local, pelo menos num futuro próximo, para onde a nossa espécie possa migrar. Visitar, sim. Colonizar, ainda não. Seja ou não do nosso agrado, neste momento, a Terra é o único sítio onde podemos sobreviver.
Tem sido dito que a astronomia é uma experiência que ajuda a fortalecer o carácter e a humildade. Não existirá possivelmente nenhuma melhor demonstração da loucura dos preconceitos humanos do que esta imagem de longe do nosso mundo minúsculo. Para mim, ela realça a nossa responsabilidade para lidarmos mais gentilmente uns com os outros e para preservarmos e estimarmos o ponto azul-claro, o único lar que sempre conhecemos” (Sagan, 1995, pp. 8–9).

Foi preciso sair do nosso planeta para termos consciência da nossa natureza, da fragilidade da vida e do nosso lugar no Universo para começarmos a refletir sobre a ação e a relação que temos com ele e como os outros humanos e não-humanos. Ou melhor dizendo, sobre a relação e a ação que temos connosco próprios. Numa vida interconectada, não faz grande sentido separar o eu dos outros.
É um privilégio enorme termos a oportunidade de existir neste momento e neste planeta, onde as nossas vidas estão interconectadas com as outras (formas de) vidas e consciências, formando uma egrégora ímpar no Universo. A possibilidade da existência de vida noutros planetas e noutras dimensões em nada retira a grandeza da Terra. Pelo contrário! Sejamos gratos pela maravilha que somos individualmente e em conjunto, para agirmos em sintonia com esse milagre, onde a beleza natural da Terra é reflexo da essência espiritual de Gaia.
Nunca fui ao Espaço fisicamente, mas viajei nas ondas da Astronomia e da epopeia espacial para me tornar um ambientalista em conexão com a Natureza, abraçar a fraternidade universal e tentar agir em prol de toda a vida na Terra. Não será isto o renascer da Terra?
Recentemente, o astronauta Bill Anders faleceu aos noventa anos. Em várias entrevistas mencionou que foi à Lua para descobrir a Terra. A minha Gratidão pelo despertar que nos trouxe com a Earthrise. Paz e Luz à sua Essência!

 

 

Recomenda-se:

Referências

  • Poole, R. (2008). Earthrise: How Man First Saw the Earth. Yale University Press.
  • Sagan, C. (1995). O Ponto Azul-Claro: Uma Visão do Futuro do Homem no Espaço (1st ed.). Gradiva.
  • White, F. (2014). The Overview Effect: Space Exploration and Human Evolution (Third). American Institute of Aeronautics and
  • Astronautics. https://doi.org/10.1016/s1364-6826(99)00114-5
  • White, F. (2016). Opening Remarks at Launch of Academy in Space Initiative. https://frankwhiteauthor.com/article/2016/04/opening-remarks-at-launch-of-aisi
  • Worldview Institute. (2022). Astronaut Quotes. https://overviewinstitute.org/astronaut-quotes/

Para citar este artigo:

MOREIRA, Jorge. O (Re)Nascer da Terra – parte 2. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revistas-online/revista-53/o-renascer-da-terra-parte-2/, número 53, 2024

Nunca fui ao Espaço fisicamente, mas viajei nas ondas da Astronomia e da epopeia espacial para me tornar um ambientalista em conexão com a Natureza, abraçar a fraternidade universal e tentar agir em prol de toda a vida na Terra. Não será isto o renascer da Terra?
Recentemente, o astronauta Bill Anders faleceu aos noventa anos. Em várias entrevistas mencionou que foi à Lua para descobrir a Terra. A minha Gratidão pelo despertar que nos trouxe com a Earthrise. Paz e Luz à sua Essência!

Jorge Moreira

Jorge Moreira

Ambientalista e Investigador

Licenciado em Ciências do Ambiente, Minor em Conservação do Património Natural, mestre em Cidadania Ambiental e Participação, pela Universidade Aberta, e Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra. É bolseiro FCT e investigador do Centre for Functional Ecology, Science for People & the Planet da Universidade de Coimbra.
É vice-presidente da FAPAS - Associação Ambientalista para a Conservação da Biodiversidade; dirigente da Sociedade de Ética Ambiental, dos movimentos cívicos Alvorecer Florestal e Aliança pela Floresta Autóctone.
É autor de vários artigos dedicados ao ambiente e voluntário em inúmeras ações de defesa, conservação, promoção e recuperação do património natural.
Tem desenvolvido investigação nas áreas da Ética Ambiental, Educação Ambiental, Sustentabilidade, Alterações Climáticas, Ecologia Profunda e Ecologia Espiritual, onde tem realizado conferências e promovido os temas.

shakti@sapo.pt