Ciclos da Terra e da Alma

Coluna de Íris Lican Garcia

1 MIN DE LEITURA | Revista 53

Lealdade ao selvagem

 

A Senhora dos Verdes caminha de pés sempre nus, em todas as estações. Por entre trilhos de cabras e lugares onde nunca ninguém pisou.

Caminha coberta da sua dupla capa, que devagar como o tempo que tem todo o tempo, vai virando.

Do negro vai brotando o indomável verde e ela que tem pele de Hera, Urtiga, Avenca, Água e Terra vai sendo atravessada por tudo o que brota.

À cinta traz bolsas: sementes e plantas medicinais que combina com contos, cantos e orações para levar alento onde passa.

Caminha entre a Floresta densa e a aldeia. 

Lembra o que corre o risco de ser esquecido mas que nunca o poderá ser porque a própria vida esmorece sem o cuidado de lembrar a Alma.

Caminha com todos os paradoxos, na sustentação da fecundidade que é o fino fio inquebŕável que une e afasta a morte e o nascimento. 

Passa parte do tempo no Bosque e parte do tempo entre pessoas. Sem demorar mais do que deve no Bosque para que o isolamento não a retire do contacto com a necessidade da sua presença,  sem demorar demasiado tempo com as gentes para que não se desoriente da sabedoria do silêncio.

No Inverno borda de verde a capa negra nas noites de borralho. 

Na Primavera cobre de vida indomável todos os lugares. Tudo brota através dela e ela brota através de tudo.

Parece que a vejo aqui e lá atrás: nas mãos enrugadas e retorcidas como troncos de salgueiro. As filhas das Ervas nos seus vestidos negros. Bordando na noite fria, velhinhas e sempre eternas.

Semeando o chão,  preparando alimento, fervendo o chá. 

Sentadas em bancos de madeira baixinhos.

Cantando o som da Floresta viva que lhes é osso.

A lealdade ao selvagem é o caminho da reparação da sabedoria profunda do tempo, do corpo, do coração em relação. 

É ter nas noites frias a crueza necessária ao germinar e saber que a bolota nunca sonha ser carvalho, mas é o frio e depois o sol e a água que lhe acordam a essência de brotar, passo a passo, da raíz à soberania. 

Há lá coisa mais bonita que ser simples sem saber?!

Lealdade ao selvagem também é confrontar a exigência desafiante de renascer, quebrar a casca e brotar além de si. Porque a vida atravessa-nos e faz de nós caminho e continuidade, além de nós.

Para citar este artigo:

GARCIA, Íris. Lealdade ao Selvagem. Vento e Água – Ritmos da Terra, https://ventoeagua.com/revista-53/lealdade-ao-selvagem, número 53, 2024

A lealdade ao selvagem é o caminho da reparação da sabedoria profunda do tempo, do corpo, do coração em relação. 

É ter nas noites frias a crueza necessária ao germinar e saber que a bolota nunca sonha ser carvalho, mas é o frio e depois o sol e a água que lhe acordam a essência de brotar, passo a passo, da raíz à soberania. 

Íris Garcia

Íris Garcia

Colunista e Autora regular da Revista

Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única,  em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.

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