Ciclos da Terra e da Alma

Coluna de IRIS LICAN GARCIA

3 MIN DE LEITURA | Revista 43

O saber sempre mais e a sobrecarga nervosa

 

Recentemente num dos cursos somáticos que estou a fazer, e eu estou em contínua formação corporal há 27 anos, foi abordado um tema que me é totalmente familiar.
Quando estamos a trabalhar sobre corpo e sistema nervoso, passar demasiado tempo a ler sobre este tema é em si desregulador. A ideia de que temos que estar sempre a procurar mais e mais saber desvia-nos também do caminho da sensibilidade e relação com o corpo.

Soma é corpo em grego, e é a partir deste corpo que é parte animal da Terra planeta vivo, que traz memória de toda a linhagem ancestral que nos criou e alimentou, literalmente e sem qualquer simbolismo nestas palavras, que nos relacionamos connosco e com o mundo.

Nas culturas Xamânicas Amazônicas ainda hoje se pede que os praticantes de dietas de plantas, por exemplo, deixem de ler, ver filmes, consultar o telefone e computador durante os períodos de prática de retiro, em silêncio e reclusão.
Precisamos de considerar, não só em situações de retiro, mas no dia a dia, que o tempo de integração precisa de ser maior ou igual ao tempo de informação.
Uma informação que não é integrada não só não é transformadora como é uma sobrecarga. Literalmente uma sobrecarga nervosa, mental, sensorial.
Numa cultura movida a quantidade é preciso redefinir à luz do contacto com o sistema nervoso, que é de facto o sistema de relação interna e intersistemica mamífera e que também é íntimo, único e sempre em transformação, o quanto somos capazes de sustentar.
A exploração e extrativismo do planeta correspondem à exploração e extrativismo dos nossos recursos internos. Isso é capitalismo internalizado e uma causa de constante insatisfação, desvalidação interna e sofrimento.
Esta ideia que somos o que fazemos faz de nós produtos de consumo e assim nos consumimos.
Na verdade, somos o que sentimos.
Não somos identidades fixas, mas processos contínuos e em constante e inacabada criação.
Para a tradição Budista o intelectualismo é uma forma de avidez, um dos venenos da sabedoria: querer saber e ter mais e mais sem discernimento, tempo, pertinência.
Tom Waits afirma que estamos numa época de enorme informação e pouquíssimo conhecimento.
Esta é uma forma de compulsividade que vem de trás.
Ontem escrevi que toda a compulsão é um conjunto de choros não reconhecidos e por isso não acolhidos. Ser valorizado é o que nos garante, enquanto mamíferos, pertença e proteção da tribo, sobrevivência. Não é racional, é soma milenar traçando caminho através de nós com as ferramentas possíveis.
Mas a verdadeira pertença não se faz pelo que fazemos ou sabemos, mas pelo que sentimos que é o que impulsiona todas as ações e fala de facto de quem somos verdadeiramente.
Assim, fica o convite a ler, ouvir, aprender, interagir na medida do que podemos sustentar a cada dia e cada fase de vida.
Olhando para nós, para os outros, para a Natureza que nos nutre com mais compaixão e humanidade, com equilíbrio.
Todo o equilíbrio é uma prática de escuta activa e presença sensível, não é fixo mas fluxo.

Precisamos absolutamente de nós em honesta integridade: que não nos esgotemos e não esgotemos ninguém nem nada.

Posso dizer-vos que cada palavra aqui é a minha experiência. Estudo com muitas pausas, demorando muito mais tempo do que seria considerado normal. Mas a norma não é a natureza. Respeitar a Natureza do meu sistema nervoso é prioritário, o preço a pagar se não o faço é demasiado alto. Para além do mais, quando entro neste modo automático da produtividade sem limites objectivo os outros seres humanos e não humanos, reduzindo-os apenas à sua funcionalidade. E isso não é saudável.
Há que lembrar que a única coisa que cresce sem limites são as células cancerígenas, cuidar a sustentabilidade, que é o limite da contenção integrada da experiência, é fundamental.

Faz-vos sentido?

Mas a verdadeira pertença não se faz pelo que fazemos ou sabemos, mas pelo que sentimos que é o que impulsiona todas as ações e fala de facto de quem somos verdadeiramente.
Assim, fica o convite a ler, ouvir, aprender, interagir na medida do que podemos sustentar a cada dia e cada fase de vida.

Íris Garcia

Íris Garcia

Colunista e Autora regular da Revista

Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única,  em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.

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