artigo de nádia silvestre
A Saúde dos Sonhos
4 MIN DE LEITURA | Revista 42
Dizia a minha avó, na sapiência dos seus 90 anos, que para se manter saudável bebia todas as manhãs o seu elixir da juventude: um copo de água morna com umas gotas de limão.
Sempre questionei se as poucas rugas que tinha e se a serenidade que a caracterizava seriam fruto desse ritual? A verdade é que a sua longevidade me deixou até hoje a pensar que, de alguma forma, somos aquilo em que acreditamos.
Vivemos numa constante busca pelo bem-estar. Lemos blogs, seguimos dietas, guardamos dicas de influencers na esperança de aplicarmos o que nos parece ser a resposta para uma vida mais plena.
Somos movidos pela pressão de chegarmos a todo o lado: queremos a alimentação ideal, que não engorda mas sacia, que não dê trabalho mas fique bonita numa foto para as redes sociais; queremos passar mais tempo com os filhos mas também queremos mais tempo sozinhos.
Queremos ser bem sucedidos no trabalho, mas aceitamos mais do que o nosso corpo aguenta…e a mente é que paga! E achamos normal. Porque queremos tudo. E queremos agora.
Acabamos por reprimir tantas vezes os sonhos na gaveta daquela secretária que deixámos em casa dos nossos pais, porque crescemos, porque tem de ser, porque nos tornámos adultos e o que importa é dizer que estamos bem.
Mas estar bem ou bem-estar? E estaremos assim tão bem?
Antes de mais, importa perceber em que consiste afinal o “bem-estar” que tanto procuramos: o termo surgiu pela primeira vez século XVI, referindo-se à satisfação de necessidades físicas. Já no século XVIII o conceito ganha uma nova dimensão, abrangendo também um conjunto de factores emocionais e sociais.
Ou seja, “mente sã em corpo são” – esta expressão popular deixa claro que a saúde mental e a saúde física são duas vertentes fundamentais e indissociáveis da saúde.
É que ser saudável não se resume apenas à ausência de doença. Resulta de uma harmonia entre a saúde integral e a saúde mental, sendo esta última demasiadas vezes descurada.
É necessário que cuidemos melhor de nós e de todos os conjuntos de factores que nos compõem e fazem de nós quem somos. Não basta que adoptemos a alimentação ideal se continuamos a levar-nos ao limite com demasiadas horas no trabalho; não chega irmos ao ginásio se insistimos em reprimir as emoções, que podem traduzir-se em sintomas físicos.
E recalcar sonhos faz doer. Dói a mente e por consequência, dói o corpo.
Tocou-me particularmente o suicídio de um colega de trabalho, das pessoas mais profissionais e competentes que conheci. Jovem e saudável, vivia com a urgência típica de quem está apenas a começar a seguir sonhos, escondendo a depressão grave com a qual lutava há demasiado tempo. Não pediu ajuda. Se pediu, ninguém ouviu. Estamos demasiado ocupados e não estamos preparados enquanto sociedade para lidarmos com a tristeza dos outros. Faz-nos pensar na nossa. E não queremos.
Esta situação obrigou-me inevitavelmente olhar para dentro de mim e questionar-me até que ponto dou a devida importância a todas as áreas da minha saúde?
Somos assoberbados diariamente com a pressão de sermos bons profissionais, bons filhos, bons pais, bons companheiros, boas pessoas. E se for necessário, alimentamo-nos mal, dormimos pouco, sonhamos menos.
Importa parar e escutar o corpo Ao estarmos mais atentos a nós mesmos, estamos também mais preparados para ajudar. E para pedir ajuda.
Nos últimos dois anos, talvez pela pandemia que vivemos e pelo impacto que teve, falou-se mais em saúde mental do que alguma vez se falara. Este evento obrigou a que nos reinventássemos enquanto pessoas, enquanto profissionais, enquanto sociedade.
A verdade é que somos demasiado exigentes connosco mesmos. Insistimos em fazer questões para as quais não temos de ter respostas. Colocamos prazos e metas que já não são adequadas aos tempos em que vivemos. E isso causa frustração, tristeza, levando a que seja mais fácil seguir as opiniões das massas e a viver a vida aparentemente perfeita dos outros, culpando alguém pelo que não resultou.
Confesso que também eu, na minha ingenuidade, acreditei que talvez fosse este o reset que precisávamos enquanto sociedade. Mas temo que estejamos todos apenas mais afectados, cheios de conselhos de lifestyle para dar (ou vender em ebooks) porque achamos que temos a receita para o sucesso. Somos uma geração de coaches, filhos de uma pandemia de egos emocionalmente infelizes e mentalmente perturbados.
E com medo da mudança, permanecemos em trabalhos que odiamos. Continuamos a dizer sim quando queremos dizer não, escondidos atrás de ecrãs, cheios de certezas e verdades absolutas quando só procuramos aceitação. De quem? Para quê? Para fugirmos da simplicidade numa constante busca pelo ser diferente. E achando que já sabemos tudo, perdemos o verdadeiro encantamento de não sabermos nada.
Continuamos a ser maus para os outros porque não aprendemos ainda a ser melhores para nós próprios.
Aproveita este artigo para olhares também para dentro de ti mesmo, reflectindo acerca das tuas rotinas e da tua forma de estar na vida. Usa o teu tempo para teu próprio beneficio: caminha ao ar livre, reavalia o que comes, lê, permite-te a evoluir. Procura hobbies que te dêem prazer; cuida da higiene do teu sono; evita pessoas tóxicas e aprende a dizer “não”. E acima de tudo, não deixes de sonhar: seja a dormir ou acordado, nos sonhos ainda podemos ser tudo o que quisermos.
Também a minha avó adiou sonhos, também ela disse sim quando queria dizer não. Também a minha avó reprimiu muitas vezes as lágrimas para que outros não chorassem. No entanto, adoptou estratégias simples para levar a vida com serenidade e gerir os conflitos da melhor forma que sabia, com calma e resiliência, antes que os conflitos tomassem conta de si. Isso é parte do caminho para ser saudável.
Do que precisamos afinal para que passemos a cuidar da nossa saúde como um todo? Quantos “colegas no trabalho” têm de desaparecer para que repensemos as nossas escolhas, os nossos (maus) hábitos, para que aprendamos a não recalcar os sonhos?
Será que nos bastam apenas a água morna e umas gotinhas de limão?
Procura hobbies que te dêem prazer; cuida da higiene do teu sono; evita pessoas tóxicas e aprende a dizer “não”. E acima de tudo, não deixes de sonhar: seja a dormir ou acordado, nos sonhos ainda podemos ser tudo o que quisermos.
Nádia Silvestre
Mente criativa e amante de viagens, de caminhadas, de móveis velhos e de casas antigas.
Sou Designer de formação, porém, é nas palavras que me encontro.
Dividida entre a calma do campo e o frenesim da cidade, estou numa constante descoberta de mim mesma e do (meu) mundo, e do que fazer com a bagagem adquirida.
Tenho vindo a aprender que as profissões não nos definem. Já fiz muita coisa e tenho muitas mais por fazer e experimentar, encontrando-me neste momento numa fase de olhar para dentro e perceber para que sentido me balança o vento.
Ainda a dar os primeiros passos na escrita criativa, sinto que recomeçar é dos meus versos favoritos.
Contadora de histórias e de sonhos, leitora ávida, perfeccionista diagnosticada com uma dose de procrastinação qb. Trabalho sempre no sentido de ser uma pessoa melhor.