Ciclos da Terra e da Alma

Coluna de IRIS LICAN GARCIA

2 MIN DE LEITURA | Revista 40

Pés descalços na neve

Da sua quente casa Nicolau pensava em quem tinha dedos das mãos e pés queimados por neve. 

O Inverno chega e o frio é cortante. 

Nicolau fia e pede a fiandeiras lã para meias, muitas meias. 

Quer levá-las a quem anda e dorme descalço na neve. Pés gelados são dor e morte. Pés gelados são desconsolo letal dos invisíveis. 

Nicolau recolhe as meias e também alimentos, sai da casa quente e do braseiro em chamas, caminha pela montanha e demora a chegar. A neve cobre o caminho e o gelo escorrega, só tem por companhia a fé que o move é leva. 

Deixa par a par de meias, a quem vê descalço. Meias cardadas, quentes, protectoras. 

Ninguém pode dar tudo mas todos podemos dar alguma coisa. 

Nicolau tornou-se pai do Inverno mas foi homem. Dos que fizeram do caminho de vida devoção : que é o devir (destino) tecido na acção, que não é somente para nós mas para quem dela pode beneficiar. 

Nicolau é uma das histórias de Natal que vale a pena contar. 

Porque todos precisamos de aprender a dar mais do que pedimos e a agradecer o imenso privilégio que nos foi dado, de ter tanto, tão facilmente. 

Possamos retornar uns aos outros e à Terra a cada dia e passo a passo, um pouco mais do que retiramos. 

Que o nosso serviço seja mais relevante do que a nossa comodidade. 

Se Nicolau aprendeu a fazer meias e a caminhar na neve carregado para poder doar, que nos lembremos que há possibilidade, seja onde for. 

O caminho começa no reconhecimento e gratidão ao que se tem e a quem falta. É aí que se tece reparação. 

Tecendo e encantando alento para o frio do corpo e do coração. 

Que a chama interna da gratidão, generosidade e sensibilidade sempre nos acompanhe. Saibamos cuidá-la para amparar as nossas necessidades pessoais e dos envolventes, lembrando que todos os seres são conscientes e centrais. 

A Esperança é a prática da espera resiliente por aquilo que não se vê. É semear o que será e quem seremos, no ventre coração da Vida. É não desistir do mistério por mais que o mundano não faça sentido. 

Por debaixo da neve há água pura. 

Nessa frieza há vida, reverência, esperança e a tamanha generosidade da Terra que nos nutre e cuida com o seu alimento, medicina, casa, caminho e encontro. 

Nicolau tornou-se pai do Inverno mas foi homem. Dos que fizeram do caminho de vida devoção : que é o devir (destino) tecido na acção, que não é somente para nós mas para quem dela pode beneficiar. 

Íris Garcia

Íris Garcia

Colunista e Autora regular da Revista

Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única,  em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.

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Reflexões vivas sobre Terra Corpo como Medicina: eco-filosofia, eco-mitologia, espiritualidade da Terra, herbalismo, movimento, arte e terapia eco-somáticos.