Ciclos da Terra e da Alma
Coluna de IRIS LICAN GARCIA2 MIN DE LEITURA | Revista 35
Primeiro foi a Serpente
Quando a Grande Serpente nasceu, ela trouxe todos os ciclos, estações e transformações.
A capacidade de crescer e despir peles, desde o azul das profundas Águas ao verde vivo de onde tudo brota; desde o amarelo solar ao vermelho maduro que se torna castanho e enegrece no prolongar das noites onde nos perdemos para nos encontrar.
A Serpente tem dois caminhos: ou cresce, ou morre, sufocada por uma pele onde já não cabe e lugares que foram casa, mas que agora oprimem quem se tornou. Qualquer um dos lugares implica transformação profunda, dissolução da identidade. Apoiada na escuta, no recolhimento, a Serpente muda até a pele que reveste a Iris dos olhos, fica cega e de pele tão vulnerável que pode a qualquer momento rasgar, ferir. Descama e até que reconstrua a pele nova e mais resistente, aguarda no silêncio, nas profundezas, na escuridão para que a luz não lhe fira o olhar.
É ela quem conhece, sabe e sente tudo o que acontece por dentro, por baixo, no lugar das raízes, da sustentação, da compostagem, da fermentação, da semente que desperta, do osso que agora é pó. Sobretudo, ela conhece as correntezas do rio debaixo do rio, o pulsar vivo do Sol interior que é o coração de lava ardente da Terra Viva.
Ela traz toda a memória, sem nenhuma descrição, todo o discernimento, sem nenhuma história singular e com todas elas, fractais, de cada escama brilhante.
A Serpente trespassa o chão, o tempo, os lugares de dentro e do fundo. Ela aporta todo o conhecimento, concede-nos a capacidade de saber, de ver, de existir em consciência.
Ver a Verdade é um reformular constante de quem somos e de como co-criamos realidade em cada interacção, um deixar cair constante de crenças e olhares sobre o mundo e um incessante apurar de visão e integridade vertical e horizontal, espiritual e material.
A Serpente é pura e inocente sem ser ingénua, imaculada sendo lama fértil, barro da vida que se cria e da vida que já foi e voltou ao princípio, integrando com integridade, sem excesso.
Traz a questão essencial:
Quem nos tornamos quando amadurecemos?
O que fazemos, em consciência e responsabilidade, com a liberdade do Saber?
Estejamos ou não disponíveis para mudar de pele, a mudança é inevitável.
O fruto maduro, caído, irá decompor a pele até ser novamente Semente e poder de novo crescer.
Ao despir a pele, aprende a sonhar novos sonhos, o que garante a continuidade evolutiva da Existência. A Serpente existe no ciclo espiral do ovo da criação constante.
É Terra que se adentra
É fogo que transforma
É Água profunda que se move, tão generosa como implacável
É Ar, nas suas asas nocturnas, atravessando o Céu infinito enquanto semeia sonhos
É Avó e Neta: o que foi e o que será
É tempo, silêncio audível
A Serpente é pura e inocente sem ser ingénua, imaculada sendo lama fértil, barro da vida que se cria e da vida que já foi e voltou ao princípio, integrando com integridade, sem excesso.
Íris Garcia
Colunista e Autora regular da Revista
Sou a Íris. Sou Mãe, Terapeuta e Educadora Psico-Somática, Formadora de Fertilidade Consciente, Yoga Terapeuta, Doula, Mulher Medicina, Herbalista, Artista de Dança, Autora, Investigadora e ecologista. As minhas linguagens primeiras são a Natureza, a escrita e o movimento. Caminho, danço e escrevo desde que me recordo. O que me move é a vontade de cultivar equilíbrio sistémico a partir do respeito pela Natureza intrínseca de cada pessoa e sua experiência íntima e única, em inter-conexão com as suas relações humanas e naturais, desde o lugar do corpo em proximidade orgânica com a Terra Viva.
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Reflexões vivas sobre Terra Corpo como Medicina: eco-filosofia, eco-mitologia, espiritualidade da Terra, herbalismo, movimento, arte e terapia eco-somáticos.