artigo de Carla Paoliello

Vamos plantar um feijão?

3 MIN DE LEITURA | Revista 34

Vamos plantar um feijão? Para tal, precisaremos de um recipiente, algodão esterilizado, água e, claro, grãos de feijão. Primeiro temos que humedecer o algodão e usá-lo para forrar o fundo do copo. Colocamos alguns grãos de feijão sobre o algodão humedecido e deixamos o recipiente num local com luz. Nestes primeiros dias, nossa única preocupação é de deixar o algodão sempre humedecido. Ao fim de, mais ou menos, três dias o feijão germina, para nosso enorme contentamento. Depois de uns dez dias, arranjamos um vaso grande ou uma floreira, para transplantar as mudas para a terra. Após alguns meses, nosso pé estará bem crescido e pronto para dar frutos.

Esta é uma experiência normalmente realizada nas escolas fundamentais, nomeadamente com alunos do 3º ano. É uma atividade que tem muitos objetivos escondidos e que, durante o período de isolamento por ter testado positivo à Covid, escolhi repetir.

seria uma vontade de voltar à infância? de ver o tempo passar naturalmente? um processo meditativo? mediático? educativo?

 

O processo descrito acima começa com a disposição do ninho de algodão, do preparo do útero macio, preservado e imune, que recebe os grãos. Cada semente é um verdadeiro vegetal já em seu estado potencial. É um embrião latente, uma planta encapsulada e fechada, que germina quando encontra condições favoráveis ao seu crescimento.

como é o meu/seu casulo? do que precisamos para sentir acolhimento, cuidado, segurança? teriam as pessoas, desde pequenas, esta latência-potência interior? esta vontade de transmutar? e a capacidade e coragem de assumir novas formas?

 

Para quebrar o estado de dormência, o grão requer apenas de água, oxigênio e luz. Humidificar o leito amolece o envoltório protetor da semente e permite a quebra da casca, bem como a entrada de oxigênio para as células embrionárias. Embebe-se a semente para que esta reaja. Não é para que nasça, pois ela já é planta, mas sim para que se apresente e se desenvolva para o exterior.

o que nos embebe? nos faz despertar? romper barreiras? e querer crescer? como se dá o processo de abertura? de ausência de reservas? a compreensão da capacidade recetiva? e como mostramos ao mundo nossas riquezas internas?

 

A primeira parte que emerge, logo após o rompimento, é a radícula, o elemento que possibilitará a fixação do pé de feijão em desenvolvimento. É uma estrutura que desbrava a favor da gravidade, que cresce a procura por substâncias que a irão nutrir. A do experimento se entranhou na cama branca, sugando toda a água vertida.

onde está o meu/seu alicerce? a fundação construída diariamente que nos assegura e nutre? eu/você a reconhecemos? é algo fixo? recluso? físico? mutável? como é este encontro com o diferente? com o que nos apresenta outras sensações, alimentos e verdades?

 

A segunda parte que desponta, um pouco encurvada, é o caule. Esta forma inicial teria sido desenhada para abrir caminho por entre as partículas do suposto solo-berço e assim proteger a extremidade da planta. Foi pouco o tempo necessário para ele se endireitar, alongar e projetar o embrião-feijão. Foi menos tempo ainda para surgir a primeira folha, o plano verde que capta a luz e a converte em alimento, para o pé de feijão e para todos nós.

quem nos protege? nos põe em direito? nos ajuda a transmutar de ponto, à linha, ao plano? o que entesa nossos destinos para irmos em direção aos nossos sonhos? como ter a ciência de que somos seres ao encontro de luz?

 

Neste processo, observei que a reserva nutritiva da semente foi reduzindo de tamanho até que finalmente caiu. A literatura diz ser este o ponto de estabelecimento da planta. Ela já não era antes, não sempre foi e esta sempre sendo?

qual o tamanho da coragem para largar o refúgio inicial? qual a dose de paciência e de tempo necessário para crescer? quais lições existem para se aprender? ou para desaprender?

 

Em breve, irei transplantá-la para a terra. Será outro processo de crescimento, talvez mais devagar, talvez mais firme. Será o tipo, textura e pH da nova terra adequado ao seu crescimento? O clima será o mais apropriado? Ela receberá a quantidade necessária de sol ou de sombra? Estará protegida dos ventos? Ou dos animais predadores? Sobreviverá ao inverno? Será que meu pé de feijão irá crescer em demasiado? Construirá uma boa relação com a paisagem circundante? E ficará bem ao lado das suas novas vizinhas? Florescerá? Dará frutos? Dará mudas? Será que ele se lembrará que, um dia, foi apenas uma semente disposta à mudança?

será que existe um outro processo de crescimento? mais rápido? mais instável? mais nómada? será nosso território atual abundante e promissor? somos reconhecidos? somos gratos? temos medos? alegrias? vivemos ou sobreviveremos? já florescemos? sorrimos? daremos frutos? daremos mudas? será que nos lembraremos que somos apenas uma semente (a água, o sol, a terra e o céu) a mudar?

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onde está o meu/seu alicerce? a fundação construída diariamente que nos assegura e nutre? eu/você a reconhecemos?

Carla Paoliello

Carla Paoliello

Curiosa professora aprendiz

Uma brasileira que mora em Lisboa há seis anos. Estuda a relação entre artesanato e design, almeja a troca entre saberes (empírico x académico) e busca o conhecimento plural e contínuo.