3 MIN DE LEITURA
O trocadilho era inevitável porque o assunto é sério e estruturado. Falamos de um quarto sobre a influência de QIÁN, de noroeste, do céu. O trigrama totalmente yang. Falamos da lua balsâmica, do final do ciclo, da semente que penetra lentamente a folhagem para ser acolhida em KǍN no momento seguinte. Fala-se aqui da energia do pai e do Pai, do masculino, de chronos e de todas as estruturas. É metal yang, o tenso e o tencionado, o rude e o bruto. É metal yang, o incompreendido.
A nossa sociedade há muito que deixou de compreender a concepção do tempo, tornou-o recto, inflexível e abstracto. Tornou-o uma sucessão de eventos alheios a qualquer outra coisa. Assim, como o tempo tornou a vida. Vamos em frente, não olhamos para trás, não compreendemos. Tornou o masculino cada vez mais isolado e deu-lhe a força bruta como base de tudo e, quando a força bruta não era a resposta, deu os dogmas, os ensinamentos dos livros, dos pensadores, dos que “sabiam”. Tirou-lhe o contacto com o invisível, com os sentidos e com a terra. Tornou a figura do homem inacessível, fria e distante. Sem margem para a compreensão da energia masculina e sem possibilidade de a conhecer. Tornou a energia feminina prisioneira do seu próprio medo e mergulhamos em tempos e espaços que nos deixam a todos profundas cicatrizes. Cicatrizes provocadas por todos os séculos de alienação e progressivo distanciamento interno. Tornámo-nos tão abstractos que não compreendemos a nossa própria forma de comunicar, desconhecemos o sentir das palavras. E nesta dança descompassada com a natureza fomos mergulhando cada vez mais na abstracção sobre a importância de percorremos o caminho até chegarmos ao céu (QIÁN, 6, céu).
O quarto de dormir é hoje um pequeno santuário pessoal, onde nos recolhemos e descansamos. É lá que despimos todas as capas e máscaras que usamos de dia, para gentilmente sermos envolvidos no universo onírico. É na segurança do quarto que apenas somos, que nos perdemos em pensamentos e que assumimos para nós o que não assumimos para ninguém. É o local onde somos mais verdadeiros, nem que seja no momento em que adormecemos e deixamos de ter a ilusão de controle. Por si o quarto representa a nossa mais profunda intimidade, contacto interno e liberdade. “Quem sou eu quando ninguém está a ver?”
Quando um quarto é influenciado pela energia de QIÁN temos a mais bela oportunidade de nos reestruturarmos internamente, o questionamento completo de um ciclo, de uma vida. Somos levados primeiro a questionar o pai, o trabalho, os homens, a energia masculina. Todos sabemos ler e todos conseguimos ao fim de umas leituras de feng shui perceber essa dinâmica. Mas a questão é tão mais profunda, tão mais revolucionária quanto assim nos permitirmos. Porque depois das primeiras impressões, o mergulho é bem mais profundo, bem mais doloroso. DOR, uma palavra que ficou proibida, mas a dor é precisa, necessária, fundamental. A tentativa de pintar mundos cor de rosa, onde o caminho não dói, onde encontramos a nossa missão e é tudo um mar de rosas é na sua essência uma mentira. Escolhas dolorosas são feitas constantemente, vivências dolorosas são vividas sem fugirmos delas. E sim, podemos ficar até mais rígidos exteriormente, por dois motivos tentamos controlar os movimentos internos de forma a não mexer uma palha e manter a aparente ilusão de quem somos, ou deixamos ir as falsas estruturas, fazendo escolhas conscientes e, para o exterior, mostramos a rigidez que nos faz ficar de pé enquanto o mundo implode por nossa escolha. Com um quarto a 6 somos nós que carregamos no botão que faz a estrutura explodir dentro e fora de nós. Porque pela lua balsâmica, a semente vem consciente que é fruto, flor, árvore, semente e ainda se lembra de todos os processos até chegar ali. Mas hoje compramos as sementes em pacote e ficamos abstraídos de tudo o que é preciso para a semente ser só semente e lançamo-las para a terra sem perceber o ciclo, esquecemos o que está para trás. Focamos apenas nas estruturas visíveis e imediatas para os objectivos serem cumpridos. Criamos precepções sem força, sem real valor ou vontade. Moldamos a energia de metal yang à nossa forma abstracta de ser e tememo-la tanto como a desejamos, mas não a compreendemos na sua essência.